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“Sethe tinha vivido então vinte e oito dias – o trajeto de uma lua inteira – de vida não escrava. (…) Dias de cura, facilidade e conversa de verdade. (…) Todos lhe ensinaram como era acordar de manhã e escolher o que fazer do dia. Foi assim que suportou a espera por Halle. Passo a passo, no 124, na Clareira, junto com os outros, ela recuperou a si mesma. Libertar-se era uma coisa; reclamar a propriedade desse eu libertado era outra.”

 

Toni Morrison em Amada

[Enclausurado] Semana #7

A conspiração entre Claude e Trudy chegou ao fim, mas isso está longe de representar um período de tranquilidade para o narrador, a quem já estamos apegadas. Daqui para frente, o ponto de interrogação em relação ao seu destino fica mais evidente. É a vez de perguntarmos: qual será o destino do feto? Para a próxima semana, avançamos mais dois capítulos, até a página 147.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

A cada capítulo de Enclausurado, Ian McEwan nos dá uma nova aula sobre escrita. Pode soar repetitivo para os leitores que estão acompanhando os posts sobre o livro desde o início, mas é difícil não se impressionar com o domínio do autor inglês sobre a linguagem e a forma, que se reflete em descrições de ambientes, sentimentos e sensações que fazem com que a gente se sinta dentro do útero de Trudy.

O décimo primeiro capítulo poderia, sozinho, fundamentar uma aula de literatura. Primeiro, McEwan apresenta o possível resultado do plano de Trudy e Claude, no qual tudo corre bem, como o planejado: o corpo encontrado morto, com evidências de envenenamento; as motivações para o suicídio bem distribuídas pelo automóvel; a falta de entusiasmo da polícia com uma investigação corriqueira. Os elementos para que o assassinato funcione estão lá, mas McEwan não entrega o ouro de bandeja.

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[Resenha] Pureza

Depois de escrever o “grande romance americano” sobre a derrocada da classe média nos Estados Unidos durante o governo de George W. Bush, o americano Jonathan Franzen parte de uma premissa mais simples em Pureza, seu livro mais recente, lançado no Brasil no ano passado pela Companhia das Letras.

A história narra a busca de uma jovem, Pip Tyler, por seu pai, sobre quem a mãe se recusa a dar informações. O enfoque mais restrito não quer dizer, contudo, que o autor tenha deixado de lado alguns traços marcantes de suas obras anteriores, como o hábito de escrever livros longos, a partir de múltiplos pontos de vista, sem linearidade de tempo. Mas depois que Liberdade foi considerado uma obra-prima e a revista Time estampou Franzen na capa como o grande romancista americano, o autor parece ter deixado certa pretensão formal de lado para escrever um livro mais tradicional.

Mais à vontade, o autor não deixa de tratar com ironia o status que ganhou como escritor nos últimos anos. Um de seus personagens, em determinado momento, busca escrever um romance que lhe garantirá um lugar no cânone norte-americano, mas avalia que, para chegar lá, precisa de mais do que conteúdo.

Houve um tempo em que bastava escrever O Som e a Fúria ou O Sol Também se Levanta, Mas agora tamanho se tornara essencial. Livro grosso, história longa.

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[Divã] O que você está lendo?

Livro de cabeceira é uma expressão que não funciona para mim. O que tenho mesmo é uma biblioteca de cabeceira. Diariamente, convivo com uma dezena de personagens, viajo de um século a outro e transito entre as mais diferentes realidades.

No último mês, por exemplo, minhas manhãs foram na companhia de Mia Couto e seus ensaios sobre as belezas e as mazelas da África. Pela tarde, eu mergulhava numa trama de assassinato narrada por um feto irreverente. À noite, me transportava para o século XIX para encontrar Os Buddenbrook.

Ler vários livros ao mesmo tempo é um hábito que me acompanha há anos. As causas desse comportamento vão desde explicações psicológicas, como estado de espírito e ansiedade literária, até aspectos mais práticos, como impossibilidade de carregar calhamaços por aí.

O ponto inicial da simultaneidade de leituras é a dificuldade de pegar na estante um só título. Vivo no eterno paradoxo do amor pela variedade e da angústia pela escolha. Quando viajo, nunca levo um só romance, não importa se vou ficar um fim de semana apenas. Meu maior receio é: e se eu não gostar da história? Uma segunda ou terceira opções são fundamentais para apaziguar meu espírito. Em seu ensaio Como se deve ler um livro?, Virginia Woolf, descreveu brilhantemente esse sentimento:

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“Ele anda brincando com a ideia de pedir para encontrá-la em seu tempo livre. Gostaria que passassem uma noite juntos, talvez até a noite toda. Mas não a manhã seguinte. Ele se conhece bem demais para sujeitá-la à manhã seguinte, quando estará frio, ranzinza, impaciente para ficar sozinho. É assim seu temperamento. Seu temperamento não vai mudar, está velho demais para isso. Está fixo, estabelecido. O crânio, depois o temperamento: as duas partes mais duras do corpo.”

 

J. M. Coetzee em Desonra

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