[Lista] 5 livros com narradores marcantes

No Clube do Livro do Achados, estamos lendo Enclausurado, de Ian McEwan. O ponto alto desse romance é, sem dúvida, o irreverente narrador – um feto que testemunha, de seu casulo, o plano de assassinato do pai, arquitetado pela mãe e o amante. Embalada por essa trama, resolvi fazer uma seleção com os melhores narradores que encontrei em minhas leituras.

17.03.02_lista_narradores_barbery1. A Morte do Gourmet, de Muriel Barbery: Pierre Arthens, um famoso crítico de gastronomia, tenta em suas últimas horas de vida, na solidão de seu quarto, relembrar um sabor que o marcou, mas ficou nos limbos da memória.

Ele é apenas um dos narradores desse romance composto por múltiplas vozes – o próprio Pierre e pessoas que o conhecem reconstroem os caminhos desse personagem que sacrificou tudo para viver o prazer da boa mesa.

O texto de Barbery, na voz de Pierre, se destaca pela experiência sensorial que proporciona ao leitor. Sabores, culpas, memórias e aromas encontram a combinação perfeita nas palavras desse narrador:

Vou morrer em quarenta e oito horas – a não ser que esteja morrendo há sessenta e oito anos, e que só hoje tenha me dignado a notar. (…) Que ironia! Depois de decênios de comilança, de torrentes de vinho, bebidas alcóolicas de todo tipo, depois de uma vida na manteiga, no creme, no molho, na fritura, no excesso a toda hora sabiamente orquestrado, minuciosamente paparicado, meus mais fiéis lugares-tenentes, o sr. Fígado e seu acólito, o Estômago, portam-se maravilhosamente bem e é meu coração que me abandona. Morro de insuficiência cardíaca. Que amargura também! Recriminei tanto os outros por não o terem em sua cozinha, em sua arte, que nunca pensei que talvez fosse a mim que ele fizesse falta, esse coração que me trai tão brutalmente, com um desprezo mal disfarçado, tal a rapidez com que se afiou o cutelo…

17.03.02_lista_narradores_proust2. Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust: impossível fazer essa lista sem lembrar o personagem com o maior fôlego narrativo da literatura! As mais de três mil páginas da obra-prima de Proust são narradas em primeira pessoa por um personagem que é um espécie de alter ego do escritor francês.

Não é fácil se acostumar às frases e aos parágrafos intermináveis, às descrições minuciosas e à sintaxe rebuscada. Inegável, porém, que a narrativa de Proust é um símbolo do requinte que a literatura pode alcançar. André Gide, escritor e amigo de Proust, descreveu perfeitamente a experiência que é acompanhar o narrador de Em Busca do Tempo Perdido:

Que livros curiosos! Penetramos neles como em uma floresta encantada; desde as primeiras páginas nos perdemos, e ficamos felizes de nos perder; logo não saberemos mais por onde entramos nem a que distância nos encontramos da margem; em alguns momentos, parece que caminhamos sem avançar, e, em outros, que avançamos sem caminhar; vamos olhando tudo de passagem; não sabemos mais onde estamos, para onde vamos (…)

17.03.02_lista_narradores_hugo3. O Último Dia de um Condenado, de Victor Hugo: esta obra não tem a imponência das numerosas páginas de Os Miseráveis ou Os Trabalhadores do Mar, mas, nem por isso, seu impacto é menor. Victor Hugo é um dos escritores que melhor representam a literatura engajada. Nesse pequeno romance, ele traz à tona a causa que talvez tenha sido a que defendeu mais fervorosamente: o fim da pena de morte, ou como ele mesmo denominava, o “assassinato judicial”.

Apesar da força do tema, o que de fato eternizou essa obra de Hugo foi seu vanguardismo narrativo. O condenado que aparece no título narra suas últimas semanas, desde que o tribunal declarou sua sentença até a execução. A agonia do personagem, que se vê durante semanas à beira da morte, e a atrocidade psicológica e física desse cenário são impactantes:

Um meio de fugir, meu Deus! Um meio qualquer! Eu preciso escapar! Preciso! Imediatamente! Pelas portas, pelas janelas, pelo telhado! Deveria ao menos deixar alguma carne minha nas vigas!

Oh! Raiva! Demônios! Maldição! Seriam necessários meses para perfurar essa muralha com boas ferramentas, e não tenho nem um prego, nem uma hora!

17.03.02_lista_narradores_james4. Pelos Olhos de Maisie, de Henry James: esse é o único livro da lista que não tem um narrador-personagem e, ainda assim, consegue ser marcante. Maisie é filha de um casal que está se divorciando e que a coloca, como uma mercadoria, no centro da disputa de bens e egos. Toda a mesquinhez a que pode chegar o comportamento humano é revelado, como o próprio título sugere, a partir do olhar da criança, embora não seja ela a narradora.

A técnica que James utiliza é muito sofisticada. Ele reduz a quase nada a distância entre o personagem e o autor, mas ainda deixa espaço suficiente para que, mesmo mostrando apenas o que Maisie vê, o leitor consiga enxergar e saber mais do que a garota sabe.

Neste trecho, por exemplo, a menina não consegue perceber as segundas intenções da governanta, a srta. Overmore, que lhe pede segredo sobre um episódio vivido durante a estadia na casa do pai. O leitor, no entanto, já vislumbra, nos gestos e diálogos calculados, a agenda oculta da personagem, que mais tarde, se torna a madrasta de Maisie:

A caminho de casa, depois que o papai foi embora, a srta. Overmore manifestou a esperança de que a menina não mencionasse o ocorrido a sua mãe. Maisie gostava tanto dela, e de tal modo tinha consciência de que seus sentimentos eram retribuídos, que aceitou esse comentário como um pedido irrecusável. Agora voltava-lhe a sensação de maravilhamento, ao relembrar o que seu pai dissera à srta. Overmore: “Só de olhar para senhorita vejo que é uma pessoa com quem posso contar para ajudar-me a salvar minha filha”. ainda que não soubesse do que era necessário salvá-la, Maisie deliciava-se ao pensar que a srta. Overmore era sua salvadora. Essa ideia tinha o efeito de fazê-las agarrarem-se uma à outra, como se estivesse rodopiando loucamente.

17.03.02_lista_narradores_villalobos5. Se Vivêssemos em um Lugar Normal, de Juan Pablo Villalobos: o adolescente Orestes é o hilário narrador deste romance, que tem como tema central as desigualdades sociais. Na “caixa de sapato” que sua família chama de casa, acontecem as emblemáticas disputas pelas quesadillas (prato típico mexicano) e outras cenas que expõem as contradições de um país como o México. A ironia do narrador traz humor, sem prejudicar o viés crítico da história:

Meu irmão não gostava de ser pobre, mas a pobreza dos peregrinos circundantes não modificava a nossa, no máximo nos classificava como os menos pobres daquele grupo de pobres, e a única coisa que isso provava era que sempre se podia ser mais e mais pobre: ser pobre era um poço sem fundo.

E você, tem algum narrador predileto? Conte para gente nos comentários!

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
Mariane Domingos

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1 Comentário

  1. Olá, estive curiosa procurando narradores marcantes e vc não citou “a morte” no livro A menina que roubava livros. Bom, eu escrevi um livro onde o narrador bate o recorde de originalidade se vc gostar de descobrir o livro está na Amazon se chama A cidade dos mendigos, eu sou Alda Inácio. Prazer.

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