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[Resenha] O Último Magnata

Há livros em que os personagens se sobrepõem a história. O Último Magnata, do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, é um bom exemplo desse tipo de romance. Monroe Stahr, mandachuva do universo glamoroso do cinema e centro da trama, prende a atenção do leitor de tal forma que o enredo torna-se totalmente secundário.

Cecilia, a narradora da história, confessa, logo nas primeiras páginas, ser uma das muitas pessoas que sucumbiram diante do fascínio que Stahr exerce. Ele é sócio de seu pai e a conhece desde que ela era uma garotinha. A diferença de idade não impede que Cecilia nutra uma paixão não correspondida por Stahr.

Pelos olhos dessa narradora tendenciosa, revela-se um personagem ao mesmo tempo imbatível e vulnerável. Stahr é um típico expoente do sonho americano: self-made man, começou de baixo e, com muito trabalho, chegou ao posto de rei de Hollywood. Executivo influente, suas vontades se tornam realidade, sejam elas plausíveis ou não:

Não havia o que questionar ou discutir. Stahr parecia ter razão sempre – não apenas na maior parte do tempo, mas sempre – sob pena de a estrutura vir abaixo, como se fosse de manteiga e derretesse.

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[Divã] Como criar empatia

 

Há algumas semanas, esbarrei com uma reportagem bastante interessante. Um grupo de garotos, todos na faixa de 16 e 17 anos de idade, recebeu como punição por ter pichado um prédio com insultos racistas a tarefa de ler uma lista de clássicos da literatura de autores negros, afegãos e judeus (vale dar uma olhada na seleção de títulos aqui).

O objetivo, óbvio, era desenvolver nestes meninos a empatia pela história e pelo sofrimento alheios e fazê-los entender o poder devastador dos discursos de ódio. A juíza, Alex Rueda, filha de uma bibliotecária, declarou que a sentença partiu de sua própria formação, já que ela conheceu e compreendeu o mundo pelos livros.  

A capacidade de nos colocar no lugar do outro é, sem dúvida, um grande valor da literatura. Mais do que nos levar a conhecer lugares distantes sem sair do sofá de casa, o poder dos livros reside principalmente em nos permitir compartilhar experiências coletivas, discriminação, sofrimento e abusos sem que essa seja nossa vivência imediata.

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“Não era tanto a pobreza que o derrubava. Mais grave era a riqueza germinada sabe-se lá em que obscuros ninhos. E a indiferença dos poderosos para com a miséria dos irmãos.”

 

Mia Couto em Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra

[Enclausurado] Semana #11

A quinta edição do Clube do Livro do Achados e Lidos nos deixou roendo a unha de curiosidade do início ao fim do livro. O narrador inusitado escolhido por Ian McEwan em Enclausurado fez enorme sucesso entre nossos leitores: com certeza, foram os posts mais comentados nas redes sociais entre todos os títulos que já selecionamos.

A força da narrativa transparece nos comentários enviados por alguns de nossos leitores, que publicamos abaixo, como já fizemos anteriormente. Ficamos muito felizes com a participação e com as análises bastante interessantes que recebemos! Esperamos que vocês tenham gostado da leitura tanto quanto nós.

Para a sexta edição do Clube do Livro, escolhemos um autor brasileiro da nova geração. Vamos apresentar o título com mais detalhes na próxima semana, mas você  já pode correr para a livraria: o título selecionado foi O Amor dos Homens Avulsos, do Victor Heringer. Indicado por outros escritores bastante admirados por aqui, como Michel Laub, apostamos em um debate interessante suscitado por essa leitura. Ah, e fique ligado nas nossas redes sociais. Na segunda-feira, vamos sortear um exemplar, para incentivar quem ainda está pensando em acompanhar o Clube!

Ricky Hiraoka

“Sou muito fã do Ian McEwan. Já li vários livros e todos que li tinham um traço forte de melancolia e sensibilidade.Eram histórias que mexiam muito comigo, me faziam refletir sobre escolhas, sobre medos, sobre diferenças… Confesso que fui ler Enclausurado esperando uma trama menos obscura e irônica. O livro demorou para me prender, mas, no fim, estava apaixonado pela originalidade de ter um feto como narrador, pelo sarcasmo, pelas análises políticas e comportamentais que o protagonista faz e pelo tom politicamente incorreto. Eu adorei e recomendo super. Daqui um tempo, quero fazer uma nova leitura!”

 

Teo Sales (@teoskywalker)

“Que suspense! Embora os personagens desse livro sejam fúteis e desprezíveis, o narrador, ou melhor, o inocente e observador feto não o é! Ele é inteligente, entende tudo o que acontece ao seu redor, participa à revelia da trama, é politizado e gosta de vinho. Enclausurado é um livro mordaz, com alguns toques de ironia e sagacidade de um narrador extremamente simpático e cativante. Que leitura gratificante. McEwan nunca decepciona. Recomendadíssimo.”

 

Rodolfo Domingos

“Ler Ian McEwan, principalmente numa língua que não seja a inglesa, é um desafio em vários níveis. Seu conteúdo é tenuamente filosófico, atemporal e rebuscado. Fui parar em “Enclausurado” anos depois da experiência com “Reparação”, e tantos anos sem contato com o autor de um dos meus livros prediletos me fez sentir que eu havia mergulhado em águas rasas. Que minha experiência com este senhor britânico estava demasiadamente longe das profundezas mais obscuras desta mente. E Enclausurado é como descer alguns degraus até a profundeza. É apostar que vale a pena ir até o ponto de partida da vida humana, onde começa qualquer história, boa ou ruim, para se divertir com a brincadeira ousada de ator-autor.

O bebê em formação é paradoxalmente formado, formado pelas experiências alheias, e que paradoxalmente também são suas próprias experiências. Em termos práticos, é a visão de um bebê contando sua versão de uma história sombria de dentro da barriga da mãe e que traça comentários audazes sobre o mundo que foi e o mundo que é.

O próprio cenário do livro é uma espécie de útero, todas as cenas se passam dentro de uma casa e, assim como um útero, a mansão em questão embriona uma história absurda de assassinato.

Ian McEwan é, no fundo, um atrevido, um atrevido genial. Que rouba o plot de Shakespeare e faz disso uma tragédia urbana moderníssima. Um livro que soa muito maior do que suas 200 páginas.”

 

Gabriela Domingos

“O inusitado do livro Enclausurado, um feto narrador (e inteligentíssimo!), apesar de me deixar incomodada no começo da leitura, me convenceu. E gostei muito!! Tudo parece real e não há ‘falhas’, a trama não permite. Mais uma vez, a escrita de Ian McEwan me surpreendeu a cada capítulo.”

 

Lilian Cantafaro

“Enclausurado me transportou ao curso de Letras, quando eu só tinha olhos para Shakespeare. Hamlet é a minha peça favorita: é o personagem solitário à procura de respostas, é a tragédia da dúvida alimentada pelo desejo de vingança, a preocupação com a violência do mundo. Esta releitura de Hamlet foi, sem dúvida, uma das mais sensacionais que já vi, não só pela originalidade do inusitado narrador, mas pela genialidade com que Ian McEwan desenvolveu todos os traços importantes da personalidade de Hamlet. Sua leitura nos deu a sensação de estarmos num teatro. Excelente escolha e impecável análise do Achados e Lidos.”

[Resenha] Para Você Não Se Perder No Bairro

Para Você Não se Perder no Bairro, do francês Patrick Modiano, é um livro curto, de menos de 140 páginas, mas isso está longe de significar uma leitura fácil. O oposto é mais verdadeiro. Essa é uma obra intrincada, repleta de idas e vindas, como se Modiano estivesse montando um quebra-cabeças a partir de fragmentos de memórias, em que cada peça puxa a próxima, até que a tela se complete. Mas, até o desfecho, muitos elos parecerão desencaixados.

A história começa com uma ligação um tanto sinistra. Um homem encontrou uma caderneta de telefones e pretende devolvê-la a seu dono, o escritor Jean Dagarane. Já sexagenário e com pouco contato com o mundo exterior, Dagarane se arrepende do descuido que foi ter colocado seu endereço e nome no pequeno caderno de telefones.

Com medo de ser seguido pelo autor do telefonema, ou encontrá-lo à espreita em sua porta, aceita comparecer ao encontro. Até então, ele vivia num limbo sem lembranças:

Se o sujeito desconhecido não tivesse telefonado, acabaria por esquecer para sempre a perda daquela caderneta. Tentou se lembrar dos nomes registrados nela. Na semana anterior, buscara resgatá-los da memória e começou a fazer uma lista numa folha em branco. A certa altura, rasgou a folha.

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