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[Divã] Um Ano de Mulheres

Um dos objetivos literários que tinha traçado para este ano era ler mais mulheres. Posso dizer, faltando apenas dois meses para o fim do ano (dá para acreditar?!), que 2017 foi de fato um ano recheado de autoras. Houve espaço para minhas escritoras preferidas,, claro, mas o mais interessante foi descobrir novas vozes e novos jeitos de contar o que é ser mulher no mundo.

A inspiração desse Divã veio, justamente, da entrevista concedida pela autora ruandesa Scholastique Mukasonga ao Achados & Lidos, uma das vozes femininas mais interessantes que descobri nos últimos anos. Na conversa que tivemos com a autora, perguntamos como ela enxergava o papel das escritoras em um mundo ainda tão desigual e injusto.

As escritoras, nos disse ela, devem contribuir para mudar a condição das mulheres,um tema que parece mais atual a cada novo episódio  de violência doméstica ou de abusos em série, como os cometidos pelo produtor americano Harvey Weinstein relatados pela imprensa.  Em Nossa Senhora do Nilo, Mukasonga nos mostrou um colégio só para mulheres em que a elite feminina ruandesa era educada com o único objetivo de formar boas esposas e mães. Apenas. A falta de perspectivas leva muitas delas a aderirem a caminhos tortuosos, como amantes de chefes locais, damas de companhia ou se deixando seduzir por sonhos de poder e fama.

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“Já não existem baús ou só existem baús vazios, esvaziados, sem anéis, sem mechas de cabelo, sem cartas bem dobradas prestes a se rasgar, sem fotos em sépia. A vida é um enorme álbum no qual é possível construir um passado instantâneo, de cores vivas e definitivas.”

 

Alejandro Zambra em A Vida Privada das Árvores

[Entrevista] Scholastique Mukasonga

“Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento para escrita, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.”

Todos nós que acompanhamos a leitura de Nossa Senhora do Nilo não hesitamos em dar esse título a Scholastique Mukasonga. A desenvoltura para narrar uma grande história a partir de curtos episódios e personagens emblemáticos é marcante em sua obra.

Por essas qualidades, sua obra tem recebido grande reconhecimento. O primeiro título de Scholastique Mukasonga, Inyenzi ou les Cafards, obteve o reconhecimento da crítica e alcançou grande público na França. O segundo, A Mulher de Pés Descalços, levou o prêmio Seligmann 2008 “contra o racismo, a injustiça e a intolerância”. O terceiro, L’Iguifou, foi coroado pelo prêmio Renaissance, e o quarto, Nossa Senhora do Nilo, pelo prêmio Renaudot 2012.

Nascida em Ruanda, a escritora vive hoje na região da Baixa Normandia, na França. Comunicamo-nos com ela por e-mail e fomos extremamente bem acolhidas. Desde o primeiro contato, a autora se mostrou saudosa do sol do Brasil e dos brasileiros. A todo momento, ressaltou o quanto se sentia grata pelo tempo que dedicamos à leitura atenta de Nossa Senhora do Nilo e se mostrou interessada em conhecer as opiniões de seus leitores.

Estamos muito felizes de encerrar nosso oitavo Clube do Livro com uma participação tão especial!

Confiram, abaixo, a entrevista na íntegra.

Achados & Lidos: O que mais nos impressionou em Nossa Senhora do Nilo foi a sua habilidade para contar histórias. A grande narrativa se forma a partir do conjunto de pequenas histórias, com muita sutileza. Em A Mulher de Pés Descalços, você comenta que sua mãe era uma grande contadora de histórias. Ouvi-la era um momento especial em família. A oralidade que marca sua literatura é uma influência e, ao mesmo tempo, uma homenagem à sua mãe? Você acredita que a arte de contar histórias é a base da literatura?

Scholastique Mukasonga: Os povos que, como os ruandeses, não conheciam a escrita, não tinham uma verdadeira literatura. Diferentes gêneros (poesias de guerra, pastorais, narrativas históricas etc.) eram praticados na corte real. Os contos populares reservavam-se, sobretudo, às mulheres. Eu fiz uma espécie de patchwork de temas no capítulo IX de A Mulher de Pés Descalços [O País dos Contos].

Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento de escritora, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.

Achados & Lidos: O que acontecia no liceu Nossa Senhora do Nilo era apenas uma amostra do que se passava em Ruanda na época. Por que você escolheu o liceu para ambientar essa narrativa, com personagens tão jovens?

Mukasonga: Se o romance não fosse autobiográfico, o liceu Nossa Senhora do Nilo jamais teria existido. Eu me servi do liceu que frequentei, Notre-Dame de Citeaux, em Kigali. O liceu é um microcosmo da Ruanda dos anos 70, onde se desenhavam as premissas do genocídio de 1994. Ele me permitiu conservar a unidade de lugar (o liceu) e a unidade de tempo (um ano escolar correspondente à longa temporada de chuvas).

Achados & Lidos: Assim como em A Mulher de Pés Descalços, em que as mulheres têm um papel central na narrativa, em Nossa Senhora do Nilo, a questão feminina também é bastante presente. O episódio da primeira menstruação, todas nós, leitoras, sentimos o peso que carregamos por sermos mulheres. Você acredita que as escritoras têm um papel importante em relatar essa situação e contribuir para mudá-la?

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[Resenha] As Perguntas

Alina é uma jovem de quase trinta anos que leva uma vida absolutamente pacata em uma São Paulo cada vez mais caótica. Até que uma investigação policial a leva a questionar algumas certezas sobre vida, morte e religião. Em As Perguntas, novo livro de Antônio Xerxenesky, lançado pela Companhia das Letras neste mês, há pouco espaço para respostas.

O romance, bastante intrigante, une em uma mesma narrativa questionamentos sobre o pesadelo cotidiano e uma história de terror que nos faz colocar em dúvida nossas crenças mais arraigadas. O autor, selecionado como um dos 20 melhores jovens escritores brasileiros pela revista literária Granta, volta a um tema que já havia sido explorado em seu livro anterior, F., o ocultismo.

A história se passa em um único dia da vida de Alina, com algumas pequenas pinceladas sobre  momentos passados que contextualizam a história. As primeiras páginas do livro são enigmáticas. Alina relembra os pesadelos em que acordava ainda cercada por sombras. Seus pais, ferrenhos defensores do pragmatismo da ciência, explicavam que era um “truque” do cérebro, e Alina acabou convencida.

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[Divã] Edições primorosas

Este texto é uma confissão que apenas os apaixonados por livros – e não só por literatura – irão entender.

Comecemos por um dos meus favoritos: Dom Casmurro, de Machado de Assis, da editora Carambaia. Por que pagar quase 100 reais em uma obra que é domínio público e que tem dezenas de outras edições muito mais baratas? Porque esse clássico merece. Porque esse gênio brasileiro merece. Porque a edição é quase uma obra de arte. Todas as alternativas anteriores.

Exemplar em capa dura, envolto em uma luva e numerado. Projeto gráfico de Tereza Bettinardi, com fotografias do Rio de Janeiro da época de Machado de Assis, sobre as quais o artista plástico Carlos Issa fez intervenções, utilizando técnicas como letraset, tinta, fita adesiva. O formato remonta à edição original de Dom Casmurro, de 1899, publicado pela Livraria Garnier, repetindo suas dimensões. Há também uma referência à antiga prática de decoração de livros, na qual imagens ficam dissimuladas na lateral do volume, revelando-se ao leitor à medida que ele manuseia as páginas. A perfeita harmonia entre forma e conteúdo: esse é, para mim, o diferencial que justifica o preço de edições de livros luxuosas.

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