Em apenas duas décadas, a cidade de Nova York foi palco de grandes transformações: da profunda crise econômica que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores, em 1929, ao considerável esforço de guerra que tomou a cidade na esteira do ataque japonês à Pearl Harbour. Praia de Manhattan (Intrínseca, 448 páginas), da escritora Jennifer Egan, usa exatamente esse cenário para contar a história de amadurecimento de Anna Kerrigan, da infância ao início de sua vida adulta.

A história é contada a partir do ponto de vista de três personagens: além de Anna, seu pai e Dexter Styles, um conhecido gângster nova iorquino, também elaboram suas versões dos fatos. O romance começa com Anna ainda jovem, com cerca de 12 anos, visitando a casa de Styles ao lado de seu pai, em um dos furtivos encontros de trabalho entre os dois.

Aos poucos, alguns dos conflitos que cercam os personagens ficam claros. O pai de Anna perdeu tudo com a quebra da Bolsa e passou a depender de alguns trabalhos escusos para manter o padrão de vida da família, que inclui uma filha deficiente. Anna não consegue entender exatamente em qual vida seu pai está imergindo, até seu desaparecimento repentino, quando ela ainda era adolescente.

A narrativa, então, salta alguns anos, para 1942. Já empregada pelo Arsenal da Marina, em um primeiro momento em um trabalho mecânico, de medição de peças para a construção de navios de guerra, Anna é uma jovem sonhadora que busca algo mais do que vida familiar, dividida entre o trabalho e os cuidados com a irmã.

Ao assistir a alguns mergulhadores de escafandro em um de seus intervalos, ela decide seguir por esse ramo, à revelia dos oficiais de seu entorno. Suportar o peso da vestimenta usada pelos mergulhadores da época, com seus mais de 90 quilos, no entanto, não era visto como um trabalho passível de ser executado por uma mulher.

A seu modo, Anna é uma personagem feminista, e a maneira como ela consegue superar os tabus da época sem muita reflexão moral é uma das partes mais interessantes do livro. Com perseverança, ela dobra os homens que, em seu caminho, lhe disseram que não era possível, em diferentes momentos de sua vida. Aos 20 anos, se vê morando sozinha em Nova York, com um emprego detido quase que unicamente por homens.

No entanto, este não é um romance sobre mulheres fortes, ou sobre feminismo. Jennifer Egan tangencia diversos assuntos ao longo de seu romance, sem nunca se aprofundar em nenhum deles. É provável que, ao pincelar variados temas, Jennifer Egan buscasse construir seu “grande romance americano”, simbolizando nas relações descritas uma nação que se consolidava como potência, ainda sem saber seu real poder.  

É preciso ponderar, porém, que ela não é muito bem sucedida neste objetivo. Há uma dificuldade de conectar histórias e aprofundar a construção das personagens, o que faz com que a leitura seja muito mais empolgante no início do que no final. Depois de algumas páginas eletrizantes, em que tentamos encaixar o quebra-cabeça das diversas vozes que compõem este livro, o  romance se perde em descrições longas de momentos absolutamente irreais, como a busca por um corpo afundado com alguns pesos de concreto em algum pedaço do mar que cerca Nova York.

A partir da metade do livro, simplesmente deixamos de acreditar na história que temos em mãos, principalmente a partir do reencontro de Anna Kerringan com Dexter Styles, e da tentativa de esclarecimento do passado a que os dois  se predispõem.

Egan ganhou notoriedade com A Visita Cruel do Tempo, vencedor do Prêmio Pulitzer de 2011, muito elogiado pela originalidade de sua escrita. O livro ainda está na minha lista de leituras futuras, por tantas indicações elogiosas, mas depois de Praia de Manhattan e Olhe para Mim (o outro livro que li da autora, igualmente decepcionante), o sucesso de Jennifer Egan parece desmesurado. Ainda que seja uma boa escritora, são vários as cenas parecidas com roteiro de novela, que abusam de clichês já surrados na ficção, como a decisão de uma das personagens de não fazer um aborto, tomada já na sala do consultório.

Apesar da minuciosa pesquisa e dedicação ao livro, para me convencer, Egan ainda vai precisar remar mais um pouco.

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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