De uma coisa já temos certeza: o destino de quem cruza o caminho dessa trupe diabólica é sempre trágico. Prisão, hospício ou a morte – não há escapatória. Na próxima semana vamos até a página 156, ou capítulo 14, caso você não tenha a edição da foto!

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Precisava, agora e ali mesmo, inventar explicações ordinárias para fenômenos extraordinários.

O diretor Rímski não está sozinho nessa. Esse parece ser o fim de todos que esbarram no Diabo e sua trupe. Depois de o diretor do Variedades ter sido despachado para Ialta, foi a vez de Nikanor Ivánovitch, presidente da associação de moradores do edifício 302-bis, e o próprio Rímski, diretor financeiro do teatro, sofrerem as consequências desse encontro.

Como turista, o mago Woland, que sabemos ser o diabo, e seu séquito bizarro, não poderiam ocupar um prédio residencial comum. Mas, depois de uma trama intrincada, eles conseguem sumir com Stiopa e se apossar do seu espaço. Faltava convencer, então, o presidente da associação dos moradores a regularizar sua situação.

Demonstrando-se amável e solícito, o intérprete do professor, Korôviev, propõe que Nikanor esqueça as regras em troca de favores especiais e até de uma soma de dinheiro. Em uma cena que lembra bastante as referências bíblicas à arte diabólica da tentação, vemos um Nikanor sucumbir pouco a pouco à lábia do intérprete:

– Mas cadê as testemunhas? – cochichou Korôviev, no outro ouvido. – Pergunto-lhe, cadê? E então?

Uma cena bastante comum no imaginário religioso: uma voz maligna tenta o indivíduo e o induz a uma atitude errada. Na narrativa de Bulgákov, o personagem do Diabo e seus seguidores gozam de uma característica em comum: uma retórica infalível. A força física não é nada diante do poder de persuasão dessa trupe.

Tudo parece inexplicável, mas, quando se dão conta, já estão todos mergulhados nesse absurdo, inclusive nós, leitores. Rímski tenta, a todo custo, dar uma explicação lógica para o teletransporte de Stiopa a Ialta, depois do telegrama confuso do amigo. O poeta Bezdômny, encerrado em um hospício, entre um sedativo e outro, tenta organizar sua história em um texto denúncia. Já na primeira frase, ele experimenta a mesma sensação de todos que o cercam: não consegue acreditar nas próprias palavras.

(…) como assim, fui com o finado? Finados não andam! Realmente, era bem possível que o tomassem por louco.

Quanto mais avança na tentativa de denúncia, mais a narrativa parece não fazer sentido. Entorpecido pelos sedativos oferecidos pela enfermeira, ele começa a travar um diálogo consigo mesmo, adicionando camadas de surrealidade a um texto que já era cômico. Até que, na cartada final, ao se questionar sobre sua própria identidade, não é sua voz que ouve, e sim a do diabo:

– Então quem sou eu nesse caso?

– Um imbecil – respondeu com clareza, em algum lugar, uma voz de baixo, que não pertencia a nenhum dos Ivans, e era extraordinariamente parecida com a voz de baixo do consultor.

Ao expor os personagens a sumiços repentinos,  loucura e a julgamentos quase bíblicos, Bulgákov constrói um teatro do absurdo que inevitavelmente remete à realidade em que ele vivia.

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