Livros podem ser emocionantes, trágicos, dramáticos…  Mas às vezes tudo o que precisamos é dar risada! A lista desta semana é para nos colocar um sorriso na cara e ficarmos como bobos, rindo sozinhos para páginas abertas.  E nada de piadas prontas e fórmulas batidas! Humor também pode ser inteligente!

1. De Veludo Cotelê e Jeans, de David Sedaris: Conheci o David Sedaris em uma Flip há muitos anos, e desde então acompanho praticamente todos os seus textos na New Yorker. Vindo de uma família grande, com muitos irmãos e pais emocionalmente instáveis, como não poderia deixar de ser, Sedaris abusa da ironia ao retratar os costumes e manias de parentes e dos vizinhos da provinciana Saint Louis, sem nunca deixa de rir de si mesmo. O meu livro preferido dele é De Veludo Cotelê e Jeans, mas quase tudo o que li dele até hoje é engraçado, especialmente quanto o assunto é a sua infância – e os traumas que restaram dela.

Ao cabo de seis meses acordando ao meio-dia, queimando fumo e ouvindo mil vezes o mesmo disco de Joni Mitchell, meu pai me chamou para uma conversa e me disse que eu devia ir embora. Ele estava sentado muito formalmente numa cadeira alta e confortável, atrás da mesa, e me senti como se ele tivesse me demitido do emprego de filho.

2. Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio Longe de Tudo, de David Foster Wallace: Talvez você já tenha cansado das constantes referências a Wallace aqui no blog, mas nós não. A leitura de seus textos pode ser densa, tomar tempo, se embaralhar no meio de tantas notas de rodapé, mas quando flui… Ah, só Wallace sabe ser Wallace. Nesta coleção de ensaios, o autor vai do tênis a um tratado sobre ética alimentar, e no meio nos faz morrer de rir com suas observações sobre uma feira rural no interior dos Estados Unidos e um cruzeiro pelo Caribe. A impressão que temos é que Wallace nunca desliga e é capaz de armazenar todas as minúcias do funcionamento de um navio, além dos hábitos um tanto questionáveis da classe média americana. Habitar sua cabeça, realmente, não devia ser fácil. Depois do cruzeiro, ele escreveu “Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer”, um dos textos mais engraçados que já li.

Eu -que não sou agorafóbico genuíno, do tipo que não consegue nem ir ao supermercado, mas sou o que poderia ser chamado de “agorafóbico límitrofe” ou “semiagorafóbico” – ainda assim passo a amar de forma muito profunda a Cabine 1009, Bombordo Exterior. É feita de um polímero castanho-amarelado que parece meio coberto com esmalte e tem paredes muito espessas e sólidas: posso ficar batucando de maneira bem irritante por cinco minuto na parede sobre a cama até os vizinhos enfim batucarem de volta (muito suavemente) para transmitirem seu incômodo.

3. O Livro Amarelo do Terminal, de Vanessa Barbara: Me dá tristeza só de pensar que esse foi o trabalho de conclusão de curso da autora na faculdade, por me lembrar do que se tratou a minha monografia (o que não vem ao caso). Em uma reportagem literária sobre o Terminal Tietê, Barbara retoma o período de construção da rodoviária, fala de estatísticas divulgadas todos os feriados, descreve o projeto, lembra dos inúmeros atrasos nas obras, ressalta o tamanho do empreendimento, mas o que torna o livro único – e muito divertido – são as histórias pessoais que dão vida e cor ao terminal. Como as longas passagens em que ela fica ao lado das atendentes do balcão de informação, as informações que ela arranca da moça do banheiro e o levantamento dos objetos perdidos no Tietê.

A rodoviária do Tietê é uma cidade de coisas perdidas. “O caça-níqueis está aqui há dois anos”, informou a funcionária, mostrando uma lista que enumerava o esquecimento de espingardas (duas), motocicletas (duas), um banco de Kombi, uma máquina de serrar azulejos, camas, muletas, motores de moto, pneus, dentaduras e mão mecânica. “Ás vezes vem gente procurando amigos desaparecidos. Mostram a foto e perguntam se já encontraram”, conta Andréia, que trabalha no setor de Achados e Perdidos.

4. Nu, de Botas, de Antonio Prata: O cronista e roteirista é mais um a rir da infância, das respostas que construímos quando pequenos aos absurdos que o mundo adulto oferece e de medos que nos assombram por anos a fio, como fazer cocô na calça e ser pego. Para melhorar, Prata foi criança há não muito tempo, o que permite certa identificação instantânea com algumas de suas lembranças. Uma das minhas crônicas favoritas conta como ele conseguiu, com alguns colegas da rua, ser atendido pelo palhaço Bozo e pedir uma bicicleta, até ter de enfrentar uma pergunta intransponível:

– Amiguinho, qual é o seu endereço?

Não é que não soubéssemos nosso endereço: sequer tínhamos uma ideia precisa do que fosse um endereço. Henrique disse que já ouvira falar algo sobre “Juscelino Kubitschek”, mas eu sabia que a Juscelino era um lugar ali perto (uma avenida? Uma praça?) por onde a gente passava quando ia para a casa da minha avó, não a nossa rua. Margarida falou que estávamos “no Itaim, a gente mora no Itaim!”, e como eu também já tinha ouvido essa palavra lá em casa, várias vezes, disse ao Bozo, cheio de esperança, que a gente morava no Itaim.

-Bibi ou Paulista, amiguinho?

Ah, o mundo! Quando você acha que está começando a dominá-lo, ele te passa uma rasteira. Bibi ou Paulista?

5. O Pequeno Nicolau, de Sempé e Goscinny: Esse é um livro para crianças, mas tem um espaço guardado no meu coração literário e continuo o achando divertido, mesmo com quase 30 anos na cara. A história é contada a partir do ponto de vista de Nicolau, um garoto francês comum, que se mete em brigas na escola, não se entende com os inspetores e dá um ou outro susto nos pais, como quando decide fugir de casa. O filme, lançado em 2010, reúne histórias deste e dos outros livros da série, e também é garantia de risadas, além de muita fofura.

Hoje à tarde quando eu ia para a escola encontrei o Alceu, que me disse: “E se a gente não fosse à escola?” Eu disse para ele que não era legal não ir à escola, que a professora ia ficar zangada, que o papai me disse que se a gente queria conseguir alguma coisa na vida e ser aviador tinha que estudar, que ia deixar a mamãe muito triste e que não era bonito mentir. Alceu disse para mim que hoje à tarde ia ter matemática e então eu disse “tá” e a gente não foi à escola.

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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