Longa vida ao papel

Sempre que vou viajar, encaro um dilema. Será que é melhor colocar na mala aquele volume enorme, do qual você acha que finalmente vai tirar a poeira durante os merecidos dias de descanso, ou uma edição de bolso, que pode amassar e é ótima companhia para a beira da piscina? É bastante óbvio que não precisaria passar por essa dúvida se eu fosse adepta de leitores eletrônicos. Por que, então, até hoje não me acostumei com e-books?

O primeiro motivo é que eu trato a minha pequena biblioteca como um tesouro e gosto de tê-la como memória. É um prazer folhear livros já um pouco desgastados e lembrar que aquele volume meio destruído foi companhia diária na minha cabeceira por alguns meses. Ou então abrir, dez anos depois, uma edição de contos do Machado de Assis e lembrar, em um recado, que aquele foi um presente de dois meses de namoro.

Essas memórias, que só podem ser preservadas no mundo físico, nos ajudam a entender a razão pela qual os livros despertam paixões. Temos relações de amor e ódio com personagens e enredos que acabam se estendendo para os volumes físicos (especialmente para os títulos com capas bonitas, admitimos). O mundo digital é impessoal e perecível, com livros sem cheiro, textura.

E o mais interessante é que todos esses meus hábitos não são um excentricidade pessoal. Se muitas indústrias foram permanentemente alteradas pelo advento da internet – de táxis a CDs – a indústria de editoração foi, inacreditavelmente, uma em que as previsões mais catastróficas ficaram longe de se concretizar.

Nos Estados Unidos, o maior mercado editorial do mundo, por exemplo, a venda de livros físicos subiu 2,8% no ano passado, em relação ao ano anterior, apesar da popularização de e-readers. No Brasil, a venda de títulos físicos ainda supera com folga os digitais, apesar do mercado estar encolhendo como um todo.

Uma pesquisa do Pew Research Center mostrou ainda que dois terços dos americanos leram livros de papel no ano passado, a mesma porcentagem de 2012. Apenas 6% leram somente e-books no ano passado. Ou seja, o apelo do livro definitivamente não morreu.

E, mais, continuamos a comprar obras para formar um biblioteca, mesmo que seja humanamente inviável ler no ritmo em que acumulamos volumes (sorte a nossa que livros são ótimos objetos de decoração). Há até uma expressão em japonês para esse hábito: tsundoku.

Como explicou o Nexo nessa reportagem, o subtantivo é um um jogo de palavras. “‘Tsundoku’ corresponde à forma oral do verbo “tsunde oku”, que quer dizer “empilhar e deixar de lado por um tempo”.  Mas ‘doku’, palavra expressa por um ideograma, corresponde ao verbo ler. Assim, criou-se uma nova palavra, cujo sentido é a aquisição de materiais de leitura que acabam empilhados, sem nunca serem lidos.”

Por causa de viagens e do peso que às vezes temos que transportar para cima e para baixo nos ônibus, tenho pensado cada vez mais em adquirir um leitor digital, com a certeza de que, se gostar muito do livro, vou acabar adicionando a versão de papel à estante. E você, já se adaptou aos e-books? Conte para a gente sua experiência!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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2 Comentários

  1. Profunda identificação. Já tentei comprar um Kindle, mas não é igual… Existe a questão que você falou: as memórias são muito mais relacionadas ao mundo físico. Será que ler Os Miseráveis no Kindle teria o mesmo efeito? Não creio. Cada página traz lembranças.

    Levei o meu Hugo à praia e há uma página que tem até hoje a marca de uma gota d’agua que caiu enquanto eu o lia sob a árvore após uma manhã chuvosa. Ao abri-lo certamente lembrarei que fui à praia, choveu muito à noite e pela manhã e quando parou e os bancos começaram a secar fui ler… Graças a essa gota, um jorro de lembranças daquela época da minha vida voltam com toda força e isso é impossível com e-book.

    Por fim, se podemos iniciar nossa Alexandria qual o motivo nos impediria (além de espaço e dinheiro, é claro)?!?

    • Tainara Machado

      17 de outubro de 2016 at 16:33

      Ana, eu até penso em me render ao Kindle para poder livros maiores indo e vindo do trabalho, por exemplo. Ou pra não ficar tão em dúvida do que levar quando viajo. Mas, de qualquer forma, o livro como memória é insubstituível, eu acho! Amo minha pequena Alexandria, rs!

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