O século XX foi marcado por guerras, genocídios, explosões nucleares e revoluções que marcaram gerações em diferentes continentes. Mais do que nunca, escritores buscaram retratar esses acontecimentos, seja como testemunha ocular, seja por meio de relatos capazes de humanizar eventos aparentemente distantes. Na lista de hoje, selecionamos cinco livros sobre momento históricos dos últimos cem anos, entre reflexões filosóficas, ficção e jornalismo literário! A lista, obviamente, não se esgota nesses cinco títulos. Deixe sua dica de leitura para quem se interessar sobre o tema nos comentários!

1. Hiroshima, de John Hersey – Publicado originalmente no dia 31 de agosto de 1946 na revista The New Yorker, um ano depois da explosão da bomba atômica que matou milhares de japoneses na cidade de Hiroshima, o artigo de John Hersey se tornaria um clássico do jornalismo literário. Vencedor do prêmio Pulitzer, Hersey buscou retratar o dia da explosão por meio dos relatos de seis vítimas,  em um livro assombroso sobre uma das maiores atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, que permitiu que o mundo tomasse conhecimento dos efeitos catastróficos dar armas nucleares, especialmente quando usadas contra uma população civil indefesa.

A sra. Hatsuyo Nakamura, a viúva do alfaiate, lutou para desvencilhar-se das ruínas de sua casa, após a explosão, e, ao ver sua caçula, Myeko, soterrada até o peito e incapaz de se mover, rastejou pelos escombros, afastando tábuas e removendo telhas, no afã de libertar a menina. Então ouviu duas vozes, provenientes das profundezas, do que parecia uma caverna distante: “Tasukete! Tasukete! Socorro! Socorro!˜.

Ela chamou o filho de dez anos e a filha de oito: ˜Toshio! Yaeko!˜

As vozes responderam.

2. Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt – Também publicado originalmente pela revista The New Yorker, este é um imperdível ensaio sobre como homens comuns podem praticar o mal sem questionamentos sobre moralidade. O julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, deveria ser o maior julgamento de um oficial do nazismo depois do Tribunal de Nuremberg. O que se viu, no entanto, foi um oficial mediano da máquina nazista, capaz apenas de pensar na ascensão social pela burocracia estatal, incapaz de refletir sobre a extensão de seus atos ou de sua culpa. A banalidade do mal, como resumiu Arendt, em uma poderosa reflexão filosófica sobre o limite tênue entre moralidade e poder estatal nas sociedades contemporâneas.

No entanto, o caso de Eichmann é diferente do criminoso comum, que só pode se proteger com eficácia da realidade do mundo não criminoso dentro dos estreitos limites de sua gangue. Bastava a Eichmann relembrar o seu passado para se sentir seguro de não estar mentindo e de não estar se enganando, pois ele e o mundo em que viveu marcharam um dia em perfeita harmonia. E a sociedade alemã de 80 milhões de pessoas se protegeu contra a realidade e os fatos exatamente da mesma maneira, com os mesmos auto-engano, mentira e estupidez que agora se viam impregnados na mentalidade de Eichmann.

3. Meio Sol Amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie –  Primeiro livro da escritora nigeriana a ser publicado no Brasil, Meio Sol Amarelo foi recentemente reeditado pela Companhia das Letras (leia a resenha aqui). À primeira vista, este parece um romance sobre dramas familiares comuns. No entanto, o retrato de uma Nigéria erguida sobre a desigualdade social vai aos poucos delineando a crescente tensão social que assola o país, que explodiria com uma guerra civil e o sonho de independência da Biafra, a terra do meio sol amarelo. À medida que a guerra avança, velhas rivalidades e mágoas são escanteadas, substituídas pela dor das atrocidades cometidas pelos dois lados do confronto. Baseado em fatos reais, Adichie não procura distribuir culpas, e sim faz uma expiação coletiva neste livro. Como já aprendemos nas outras leituras desta lista, na guerra, manter valores é o grande ato de heroísmo.

Mais tarde, um dos garotos ofereceu a Ugwu um pedacinho minúsculo de sua cota fibrosa. Ugwu agradeceu mas recusou com um gesto de cabeça, e percebeu então que jamais seria capaz de descrever aquela criança a contento, que jamais teria capacidade de narrar bem bastante o medo que empanava o olhar das mães no centro de refugiados, quando os aviões bombardeiros apareciam no céu, atacando. Jamais seria capaz de descrever a própria desolação de bombardear gente que morria à míngua.

4. Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos Com Nossas Famílias, de Philip Gourevitch – Em 1994, mais de um décimo da população de Ruanda foi exterminada em um genocídio liderado pela maioria hutu contra a minoria tutsti. Retratado por boa parte do Ocidente como uma tragédia movida por ódios ancestrais, o que o jornalista Philip Gourevitch mostra nesta brilhante reportagem, para a qual passou mais de três anos ouvindo vítimas e perpetradores, é que o massacre teve origens bem mais concretas e que as potências europeias assistiram os acontecimentos de braços cruzados, quando não interferindo diretamente nos fatos.

Era impossível dar aos sobreviventes o que eles queriam de verdade – seu mundo perdido, tal como era no tempo que chamavam de “Antes˜. Mas era mesmo necessário que os mais atingidos pelo genocídio continuassem a ser os mais negligenciados depois dele?

5. Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed – John Reed narrou, direto do calor dos acontecimentos, os eventos que levariam a um dos momentos mais marcantes do século XX, a Revolução Russa de 1917. Entre documentos, depoimentos, panfletos e decretos, Reed deixaria como legado um testemunho daqueles dias que mudariam a história da Rússia e do mundo, além de ter inaugurado o gênero das grandes reportagens que, como vimos acima, seriam responsáveis por levar ao mundo tragédias próximas e distantes nas décadas seguintes.

Para os americanos, é inacreditável que a luta de classes possa atingir esse nível de radicalização. Mas estive pessoalmente com oficiais da frente norte que, sinceramente, preferiam um desastre militar a cooperar com os comitês do Exército. O secretário da seção de Petrogrado do partido Cadete disse a mim que o desmantelamento da vida econômica do país fazia parte de uma campanha para desmoralizar a Revolução.

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

Últimos posts por Tainara Machado (exibir todos)