Tag: racismo (página 1 de 2)

[Resenha] Se a Rua Beale Falasse, de James Baldwin

[SCROLL DOWN FOR THE ENGLISH VERSION]

James Baldwin escreveu este clássico da literatura americana em 1974, mas a trama de Se a Rua Beale Falasse (Companhia das Letras, 224 páginas) ainda é uma realidade incômoda: Fonny é um jovem negro preso em função de uma falsa acusação de estupro, o que leva sua namorada, Tish, a engajar toda sua família na luta pela liberdade do noivo, ao mesmo tempo em que tem que reunir forças para levar adiante sua gravidez. 

O racismo institucionalizado na sociedade americana, mesmo em uma cidade cosmopolita como  Nova York, é o pano de fundo desse romance, do qual emergem muitas de suas qualidades. Baldwin trata, em sua narrativa, das muitas injustiças a que são submetidas as populações mais vulneráveis de uma cidade com a qual tinha uma relação de amor e ódio. Sobre algumas, ele não se aprofunda, mas nos faz entrever um buraco fundo. Um exemplo é o sistema prisional. Sabemos pelas visitas de Tish que a prisão terá efeitos indeléveis sobre Fonny, mas nunca ultrapassamos as barreiras de vidro interpostas entre o casal.

Ao tangenciar injustiças sistêmicas, Baldwin escancara um abismo muito mais profundo, o que distancia os jovens de seus sonhos e de seu potencial. O sonho americano é um privilégio de poucos – certamente não ao alcance de Tish e Fonny. Os dois se conheceram ainda bastante jovens, vizinhos no Harlem, um bairro habitado majoritariamente pela população negra. Enquanto a família de Tish é bem estruturada, Fonny tem que lidar com a aversão da mãe, que prefere as duas filhas mais novas, de pele mais clara. A desigualdade, na experiência pessoal de Baldwin, começa em casa e dali se prolonga para a rua. 

Leia mais

[Resenha] O Melhor Tempo é o Presente

Uma união proibida: Jabulile Gumede é negra, Steven Reed é branco. Na África do Sul segregada pelo apartheid, essa relação só podia ser vivida na clandestinidade. É a partir dessa tensão que se desenrola O Melhor Tempo é o Presente (Companhia das Letras, 499 páginas), da ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura Nadine Gordimer.

Jabulile e Steven vêm de contextos diferentes, mas encontram um destino comum no sonho da liberdade para todos. Jabulile é filha do diretor da escola local e pastor da igreja metodista da província de KwaZulu, uma região dominada pelas mineradoras. Seu pai lutou por sua educação e apostou na continuidade dos seus estudos mesmo quando isso envolveu a mudança de país, para a Suazilândia, diferentemente do contexto da época, em que a prioridade era dada para a educação dos filhos homens.

Leia mais

[Divã] Quem tem medo de falar de racismo?

Enquanto o mundo assistia embasbacado à atuação do jovem Kylian Mbappé na vitória da França sobre a Argentina, em um jogo que classificou os franceses para as quartas-de-final da Copa do Mundo da Rússia, o youtuber brasileiro Júlio Cocielo proferia uma “piada” absurdamente racista em seu Twitter: para ele, Mbappé “conseguiria fazer uns arrastão top na praia”.

O post gerou furor na internet, mas houve quem defendesse Cocielo: para uma parte de seus fãs, foi apenas uma brincadeira, já que Cocielo tem “bom coração”. Desde então, ele apagou impressionantes 50 mil tweets, não antes que milhares de prints com afirmações homofóbicas e racistas viessem à tona.

Mbappé é um atleta jovem, forte e extremamente talentoso. Comparar a rapidez de suas arrancadas ao potencial de “arrastão” é de um racismo perverso, mas defender o youtuber e afirmar que essa foi apenas uma brincadeira é bastante sintomático do racismo que se esconde nos meandros da sociedade brasileira. É pouco provável que Cocielo dissesse que Cristiano Ronaldo faria arrastões top na praia.

Em seu novo livro, Quem Tem Medo do Feminismo Negro (Companhia das Letras, 145 páginas, R$ 29,90)  Djamila Ribeiro é clara sobre o papel do humor na perpetuação do racismo.

É preciso perceber que o humor não é isento, carregando consigo o discurso do racismo, do machismo, da homofobia, da lesbofobia, da transfobia. Diante de tantos humoristas reprodutores de opressão, legitimadores da ordem, fico com a definição do brilhante Henfil: “O humor que vale para mim é aquele que dá um soco no fígado de quem oprime”.

Leia mais

[Resenha] Os Caminhos Para a Liberdade

No Estado americano da Geórgia, Cora é propriedade da fazenda dos Randall. Marcada pela vida como escrava, ela nunca imaginou outro destino que não fosse o confinamento da fazenda, a colheita de algodão, os açoitamentos frequentes. Até que a chegada de Ceasar, criado na Virgínia por uma senhora que prometia alforriá-lo, mas que morreu sem ter o feito, muda sua perspectiva sobre o futuro.

Os Caminhos Para a Liberdade, de Colson Whitehead (Editora Harper Collins, 312 páginas), é um livro angustiante, do tipo que te faz querer ler a última página só para saber o destino da personagem principal. Até chegar lá, acompanhamos uma fantasiosa narrativa de fugas e desventuras pelas “ferrovias subterrâneas”, como os abolicionistas chamavam a rede de apoio que ajudou a esconder milhares de escravos e que no livro de Whitehead ganham materialidade, com direito a operadores de estação, maquinistas e passageiros.

O autor divide a narrativa entre personagens e estados americanos. A história começa com a raptura da avó de Cora, Ajarry, na África, a terrível travessia nos navios que transportavam escravos de um continente a outro e o sem número de vezes em que ela foi vendida, já na América.

Leia mais

[Resenha] O Vendido

Pode ser difícil de acreditar vindo de um negro, mas eu nunca roubei nada. Nunca soneguei impostos nem trapaceei no baralho. Nunca entrei no cinema sem pagar nem fiquei com o troco a mais dado por um caixa de farmácia indiferente às regras do mercantilismo e às expectativas do salário mínimo.

As primeiras frases de O Vendido, de Paul Beatty, são um aperitivo do humor sarcástico e um tanto perturbador que marca praticamente todas as páginas desse romance, ganhador do Man Booker Prize no ano passado. Narrado em primeira pessoa por Eu, um garoto negro de um bairro pobre na região da Califórnia, o livro começa com seu julgamento perante a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Os crimes de que Eu é acusado são verdadeiramente hediondos: escravizar um funcionário e promover a segregação racial na cidade de Dickens. A realidade, porém, é que Hominy, o escravo, não trabalha nem 15 minutos por dia e fez de tudo para que Eu o aceitasse em sua servidão, argumentando até mesmo que “a verdadeira  liberdade é ter o direito de ser escravo”.

Leia mais

Posts mais antigos

© 2024 Achados & Lidos

Desenvolvido por Stephany TiveronInício ↑