Famílias felizes, famílias infelizes. Todas o são da mesma maneira, para distorcer um pouco a célebre frase de abertura de Anna Kariênina, de Liev Tolstoi. Ou, ao menos, é o que parece nos querer dizer Vanessa Barbara em Operação Impensável.

Comprei o livro bastante animada. Na lista dos 20 melhores jovens escritores brasileiros da revista literária Granta, Barbara escreve deliciosas crônicas para jornais e blogs e ainda compartilha de uma paixão privada, que é analisar a tradução de cardápios. Seu romance mais recente, porém, está longe de ter a mesma graça que seus textos mais curtos.

Operação Impensável conta a história de um casamento que durou cinco anos e terminou em guerra. Nos tempos de paz, somos apresentados a Lia, historiadora, e Tito, programador. Uma família feliz como tantas outras, dona de duas tartarugas, três gatos e uma dezena de filmes vistos e comentados juntos.

As 110 primeiras páginas são gastas com brincadeiras ininteligíveis dos dois, que se comunicam por códigos e trocam cartas que praticamente não fazem sentido. É quase um vocabulário próprio, como têm vários casais em início de namoro. Há umas poucas boas tiradas que guardam o espírito cronista de Vanessa Barbara, como quando ela define cada um. Ele é rúcula, e ela, agrião; juntos, por enquanto, os dois fazem saladas “sem distinção folhosa”.

Aos poucos, contudo, começam as evidências de que algo está errado na rotina dos dois. Como quando eles compram as alianças. Cada um escolhe um modelo diferente.

Então o Tito escolheu um modelo simples para ele e nós dividimos o preço da minha, que era mais cara. Combinamos que ele não precisaria usá-la se não quisesse, e assim foi: só eu usava aliança. Às vezes ele botava no dedo para mostrar como o anel escorregava, incomodava e ficava esquisito. Quando ele dava tchau, a aliança voava uns dois metros.
Não sugeri ajustá-la.

Começa a se formar o clima de Guerra Fria entre eles. As contas referências a esse período histórico e a um jogo de tabuleiro sem pé nem cabeça, Twilight Struggle, são entendiantes,  mas antecipam e criam o clima de guerra de bastidores que daria o tom do restante do livro, contado na forma de entradas em um diário. O título remete a  um dos planos arquitetados em 1945, no qual Winston Churchill propôs atacar a União Soviética logo depois do fim da Segunda Guerra. “Aí, sim, começamos a vislumbrar o grau de loucura a que chegaram os estrategistas de ambos os lados”, pensa Lia, falando de Churchill – mas bem podia ser dela.

Lia se descobre perdida. Em depressão, acha que está louca quando começa a desconfiar de Tito, mas aos poucos descobre que ele é, na verdade, um mentiroso contumaz, com uma personalidade praticamente adolescente e que participa de uma lista de e-mails no qual os amigos, em tese adultos, falam mal de tudo e todos. Tito é o pior tipo de mentiroso, porque não sente remorso. No trabalho, ele é um adepto da Programação Orientada a Gambiarras. Todos os problemas são resolvidos de forma nada honesta.

A primeira pequena mentira leva a uma segunda, que leva à terceira, que termina em uma história rocambolesca que a deixa exposta aos amigos, a outros casais e a sua própria família. A tragédia, aqui, não são só as mentiras contadas para encobrir o que foi escondido antes. O que deixa aquela sensação amarga na boca é que ela, ao analisar aqueles anos e os 43 dias de dúvidas até que descobrisse a verdade, já não sabe mais separar o que foi verdade no relacionamento do que estava na rede de mentiras de Tito. As famílias infelizes também se parecem.

As Notas Esparsas, trechos de outros romances citados ao longo do livro, são os melhores momentos de Operação Impensável, com uma seleção de frases que nos deixam com vontade de ler todos os outros livros citados, como esse trecho de Levels of Life, de Julian Barnes.

Mas você não sai dessa situação como um trem emergindo de um túnel, deixando a escuridão rumo à luz do sol e àquela rápida e trepidante descida ao Canal; você sai como uma gaivota de uma mancha de óleo: gosmenta e emplumada para o resto da vida.

Barbara, vem participar do Marque a Página!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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