[Lista] 5 biografias que merecem lugar na estante

No mundo dos livros, as biografias são um gênero à parte. Na minha estante, por exemplo, elas ocupam uma prateleira inteira. Tem gente que torce o nariz e não vê muito valor estético nessas obras. Eu, pelo contrário, sou fã. Algumas histórias são até mais fascinantes do que ficção. E quando é um escritor que decide contar sua vida (ou ao menos parte dela), então, não me seguro. Aqui estão cinco biografias ou volumes de memórias que me marcaram e que merecem lugar na sua estante também!

1. Steve Jobs, por Walter Isaacson: Em 2004, quando soube que estava doente, o grande gênio da indústria de tecnologia quis um biógrafo a sua altura. Antes que qualquer um soubesse de seus problemas de saúde, Steve Jobs se aproximou de Isaacson e propôs que ele escrevesse sua trajetória.

Eu havia publicado recentemente uma biografia de Benjamin Franklin e estava escrevendo outra sobre Albert Einstein, e minha reação inicial foi perguntar, meio de brincadeira, se ele se considerava o sucessor natural nessa sequência.

Isaacson achou que era cedo para o projeto e a biografia só começou a ser escrita de fato em 2009, quando a doença progrediu, mas a resposta para a pergunta acima era obviamente um sim. Isaacson aceitou porque, como tantos outros, acabou cativado pela “intensidade envolvente” do fundador da Apple. Se Jobs estará um dia no panteão de Einstein, não sabemos, mas é fato que sua influência foi marcante em como nos relacionamos com a tecnologia. Jobs revolucionou nada menos que seis campos da indústria -computadores pessoais, filmes de animação, música, telefones, tablets e publicação digital – e o livro de Isaacson acompanha todas essas etapas, sem atenuar as disputas e conflitos em que Jobs se envolveu para concretizar cada uma delas. 

Uma das passagens mais interessantes e reveladoras é o acordo da Apple com a Xerox, que permitiu o acesso da equipe de Jobs ao centro de pesquisas da empresa em troca de investimento. O que estava sendo desenvolvido ali fez brilhar os olhos de Jobs, fixado com a ideia de inventar um computador pessoal que fosse amigável para uso.

O ataque da Apple ao Xerox Parc é descrito às vezes como um dos maiores assaltos da história da indústria. Jobs esporadicamente endossou essa visão, com orgulho. “Tudo se resume a tentar se expor às melhores coisas que os seres humanos fizeram e, depois, tentar trazer essas coisas para o que você está fazendo”, disse certa ocasião. “Quer dizer, Picasso tinha um ditado que afirmava: ‘Artistas bons copiam, grandes artistas roubam’. E nós nunca sentimos vergonha de roubar grandes ideias.”

Essa era a personalidade de Jobs. Em seu “campo de distorção da realidade”, praticamente não enxergava limites quando cismava com uma ideia. Ele era praticamente insuportável, mas ao mesmo tempo ótimo executor de projetos.  Arrogante, mimado e egoísta, era perfeccionista ao extremo e manipulava a realidade e as pessoas ao seu redor, mas mesmo assim sabia como poucos liderar e motivar uma equipe. No fim, embora com um misto de amor e ódio, também acabamos cativados por ele.

PS: Esqueça os filmes. Como acontece quase sempre, o livro é infinitamente melhor.

2. Viver para Contar, de Gabriel García Márquez: Em uma lista sobre biografias, é claro que este livro não poderia ficar de fora. Se achávamos que Cem Anos de Solidão era realismo mágico, Gabo nos mostra no primeiro – e que acabou sendo o único – volume de suas memórias que a vida na Colômbia poderia ser muito mais insólita do que a ficção.

O autor reconta sua infância na casa dos avós, as plantações de bananas, os cheiros típicos da terra, e ao longo da narrativa vamos reconhecendo muitas das paisagens que compõem os principais livros da sua obra. Viver para Contar vai até seus primeiros anos na capital, quando já se decidira a ser jornalista, “a profissão mais bonita do mundo”, como a definiu uma vez, embora o rótulo talvez esteja desatualizado- para dizer o mínimo. 

A história começa com uma viagem com sua mãe, aos 23 anos, para a mítica Aracataca, onde nasceu, para vender a casa de seus avós.

Nem minha mãe nem eu, é claro, teríamos podido nem mesmo imaginar que aquele cândido passeio de dois únicos dias seria tão determinante para mim que nem a mais longa e diligente de todas as vidas não me bastaria para acabar de contá-lo. Agora, com mais de setenta e cinco anos bem pesados, sei que foi a decisão mais importante de todas as que tive que tomar na minha carreira de escritor. Ou seja: em toda a minha vida.

As histórias orais de Aracataca são fontes de muitos romances e personagens. A cada página, é como se nós também estivéssemos encontrando um conhecido. O amor generoso que inundava a casa sempre cheia de parentes, a prima que comia terra, a avó cega que era a primeira a encontrar os objetos perdidos pela casa. Poder enxergar e, de certa forma, acompanhar a formação de Gabo como leitor e, posteriormente, como escritor, é quase emocionante para quem coloca seus livros na prateleira mais importante da estante, como eu. Vale cada uma das (muitas) páginas.

3. Joseph Anton: Memórias, de Salman Rushdie: A biografia de Salman Rushdie é daqueles enredos que poderiam perfeitamente caber no universo da ficção. Muito antes que extremismos totalitários envolvendo o Islã tomassem o noticiário permanentemente, o autor indiano radicado em Londres recebeu uma fatwa – ou uma sentença de morte – do aiatolá Khomeini, então o líder supremo do Irã, pelo retrato que fez da religião em Versos Satânicos. O livro foi considerado “contrário ao Islã, ao Profeta e ao Corão”.

Joseph Anton foi seu pseudônimo durante todo o tempo que viveu escondido, sempre em meio a tratativas diplomáticas sobre onde poderia morar, viver, para onde era possível viajar. A origem do nome escolhido é simbólica. Depois de ter uma de suas sugestões negadas pelos agentes de segurança por ser considerada “asiática demais”, Rushdie tentou compor com nomes de seus autores favoritos. Chegou, por fim, na combinação dos nomes de Joseph Conrad e Anton Tchekhov, dois de seus preferidos.

Foi Conrad quem lhe deu a divisa a que ele se agarrou como que a uma tábua de salvação nos longos anos que se seguiriam. Em The Nigger of the Narcissus [O Negro de Narciso], um título hoje politicamente incorreto, um jovem marinheiro perguntava ao protagonista, James Wait, acometido de tuberculose numa longa viagem marítima, por que embarcara naquela viagem, sabendo, como certamente devia saber, que não estava bem. “Tenho de viver até morrer, não é mesmo?”, Wait respondia. Todos nós temos, ele pensara ao ler o livro, mas em sua situação presente a frase tinha a força de uma ordem.

“Joseph Anton”, ele pensou, “você tem de viver até morrer.”

Embora relate experiências próprias do período em que passou escondido, de 1989 a 2002, Rushdie escolheu narrar a história em terceira pessoa, como uma espécie de protesto. Afinal, toda aquela vida era emprestada, alheia, um pouco ficcional, em sua visão. Para viajar, dependia de intensas tratativas entre seus agentes, seguranças, diplomatas e até personalidades da música, como Bono Vox. Teve que se mudar constantemente e não pôde pisar em seu país por mais de uma década. Por vezes, sentindo-se injustiçado, o tom de Rushdie é algo arrogante, vaidoso. Sua personalidade também não é sempre admirável, mas esse é um risco comum em biografias. Quando um autor decide seguir por esse caminho, descortina eventos em que inevitavelmente estão expostos vaidades, defeitos, idiossincrasias e egoísmos que poderiam ficar escondidos.

Ainda assim, a leitura da vida oculta de Rushdie vale pela obstinação com que manteve a luta por recuperar sua vida e seu nome, além das reflexões sobre o poder das palavras, da censura e da liberdade.

4. I Remember Nothing, de Nora Ephron: Diretora e roteirista, Nora Ephron é bem mais conhecida por suas obras no cinema. Entre alguns clássicos do gênero “filmes fofos”, Ephron escreveu o roteiro de Mensagem para Você e  de Harry e Sally – Feitos um Para o Outro. Por isso, esse livro, comprado meio ao acaso em uma viagem, foi uma ótima surpresa.

Em I Remeber Nothing, Ephron narra uma sucessão de eventos de sua vida, sem muita ordem cronológica. O tom bem humorado, semelhante ao de seus roteiros, e sua escrita ágil fazem com que seja praticamente impossível largar o livro. Com a mesma ironia com que fala de seus relacionamentos, a autora relembra outra de suas paixões, o jornalismo, a “única coisa que valia a pena ser”. Não importa que, como ponto de partida, ela tenha trabalhado na seção de cartas da Newsweek, ainda que a meninos com as mesmas qualificações – um diploma e experiência no jornal da faculdade – fossem oferecidos postos como correspondentes em alguma sucursal. “Isso era injusto mas era 1962, então era como as coisas funcionavam”.

A autora também não tem muito receio de se abrir. A velhice aparece logo no capítulo de abertura, que dá nome ao livro. O esquecimento, diz ela, passa a ser parte indissociável da rotina. Primeiro são algumas palavras que escapam, mas que ainda estão lá armazenadas, basta um esforço e será possível reencontrá-las. Aos poucos, porém, por mais que se tente, não é possível recuperar alguns nomes, informações, rostos.

Eu costumava pensar que meu problema era que o disco rígido estava cheio; agora, sou forçada a concluir que o oposto era verdade: ele simplesmente está ficando vazio.

Ephron também fala do acaso, no que considero a história mais divertida do livro. Embora não fossem muito próximos, a autora tinha um tio que havia enriquecido com empreendimentos imobiliários. A certa altura, quando ele morre, Ephron e as irmãs descobrem que estão no testamento e passam por algumas das fases que, diz ela, acometem todos os que enriqueceram com uma herança, dos sonhos de nunca mais ter de trabalhar até as brigas entre irmãs pela divisão dos bens. Acontece que Hal tinha perdido boa parte do seu dinheiro em um negócio fracassado em Porto Rico. Elas nunca chegaram ao último estágio da vida de herdeira, a riqueza. Ephron é obrigada a terminar o roteiro em que estava trabalhando. Era Harry e Sally.

5. As pequenas memórias, de José Saramago: Outro autor que buscou as memórias de infância e adolescência como forma de elaborar melhor sua identidade, Saramago reconta seus anos de juventude nesse volume. O autor resume em  pequenos relatos vários episódios de sua vida pregressa, antes da literatura, entre eles como ganhou o sobrenome que não é da família, já que o pai era Sousa, e porque morreria dois dias mais velho do que de fato era.

Afora essas curiosidades preciosas para nós, leitores, mais uma vez é fascinante ver a formação de escritor. A família de Saramago era extremamente pobre, os pais mal sabiam escrever. Ele nasceu em uma pequena aldeia de Portugal, Azinhaga, que “está naquele lugar por assim dizer desde os alvores da nacionalidade” e de lá poderia nunca ter saído. Mas os pais decidem levá-lo para Lisboa quando tinha dois anos, para que adquirisse “outros modos de sentir, pensar e viver”.

Não foi assim. Sem que ninguém de tal se tivesse apercebido, a criança já havia estendido gavinha e raízes, a frágil semente que então eu era havia tido tempo de pisar o barro do chão com os seus minúsculos e mal seguros pés, para receber dele, indelevelmente, a marca original da terra, esse fundo movediço do imenso oceano do ar, esse lodo ora seco ora húmido, composto de restos vegetais e animais, de detritos de tudo e de todos, de rochas moídas, pulverizadas, de múltiplas e caleidoscópicas substâncias que passaram pela vida e à vida retornaram, tal como vêm retornando os sóis e as luas, as cheias e as secas, os frios e os calores, os ventos e as calmas, as dores e as alegrias, os seres e o nada. Só eu sabia, sem consciência de que o sabia, que nos ilegíveis fólios do destino e nos cegos meandros do acaso havia sido escrito que ainda teria de voltar à Azinhaga para acabar de nascer.

Ao contrário de Gabriel García Márquez, é mais difícil enxergar nos eventos e histórias da infância de Saramago pistas do que seria sua literatura. Ao mesmo tempo, vários dos temas estão ali. A sensação de pertencimento e de identidade, a organização caótica das cidades em contraponto ao mundo calmo do campo, as dúvidas sobre a modernidade e, principalmente, sobre o suposto “progresso” que dela deriva, está tudo em As Pequenas Memórias, que com o perdão do trocadilho batido, de pequenas não têm nada. Em uma referência mais explítica, Saramago reconta as visitas de Júlio, um primo da família, que era cego e estava internado em um asilo.

Glabro de cara,com pouco cabelo na cabeça, e esse mesmo cortado à escovinha, tinha os olhos quase brancos e o ar de quem se masturbava todos os dias (é agora que o estou a pensar, não nessa altura), mas o que nele mais me desagradava era o cheiro que desprendia, um odor à ranço, a comida fria e triste, a roupa mal lavada, sensações que na minha memória iriam ficar para sempre associadas à cegueira e que provavelmente se reproduziram no Ensaio [sobre a Cegueira]. (…) Colocava uma folha de papel grosso, próprio, entre dois tabuleiros de metal e depois, velozmente, sem hesitar, punha-se a picá-lo com uma especie de punção, como se fosse dotado da vista mais perfeita do mundo. Agora quero imaginar que o Júlio talvez pensasse que aquele escrever era uma forma de acender estrelas na escuridão irremidiável de sua cegueira.

E você? Também gosta de biografias? Deixe suas dicas aqui nos comentários!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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2 Comentários

  1. “Confesso que vivi”, autobiografia do Pablo Neruda, também é ótima. Creio que caberia também citar “De amor e trevas”, do Amós Oz. Fica entre a autobiografia e romance, mas é interessantíssimo como podemos ver, a partir da história do autor, as mudanças pelas quais ele e o próprio país passam – e não são poucas…

    “Viver para contar” já está na minha lista infinita de livros para ler depois desse post!

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