A semana começou com uma corrida às livrarias pelo novo livro da saga Harry Potter, o oitavo da série. Não é exatamente uma continuação, já que trata-se de uma história escrita por J. K. Rowling para uma peça esgotadíssima em Londres. Ainda assim, o lançamento de Harry Potter and the Cursed Child provocou filas enormes e estantes vazias  nas principais livrarias do país, todos procurando saber o que aconteceu com Harry, Hermione e Ron. Afinal, quem nunca se questionou sobre o futuro de um personagem querido? Pensando nisso, listamos outros livros que também mereciam ganhar uma sequência!

1 – Foi Apenas um Sonho, de Richard Yates: Nos Estados Unidos da década de 50, Frank e April Wheeler são um jovem casal cujas ilusões são demolidas por terem aceitado se conformar com uma vida familiar nos subúrbios. O peso da maternidade, da casa e da falta de acontecimentos soterram April, que se afunda na depressão e em estágios que alternam alguma esperança com o futuro e profundo desinsteresse pelo presente, embora tente manter as aparências. A mudança para a Rua da Revolução só acentua o quadro e, aos poucos, o casamento desmorona.

-(…) Foi assim que nós dois ficamos comprometidos com essa grande ilusão… pois isso tudo não passa de uma ilusão enorme, obscena… essa ideia de que as pessoas têm de desistir da vida e “se fixar” quando constituem famílias. É a grande mentira sentimental dos subúrbios, e eu tenho feito você endossar essa mentira todo esse tempo. Tenho feito você viver essa farsa! Meu Deus, cheguei a construir para mim essa imagem piegas, de telenovela…

April, que sonhava em ser atriz, se lamenta pelo horizonte estreito de sua vida de dona de casa, não suporta os vizinhos desinteressantes e bisbilhoteiros e culpa o marido pelas escolhas do casal. Frank também aceita um emprego que não era o seu sonho para poder sustentar a família. Em busca de uma saíde, April então se agarra a um sonho que, ela acredita, poderá dar aos dois a vida que imaginavam antes que ela engravidasse. Os dois planejam uma mudança para a Europa, onde Frank poderia retomar seus planos como um jovem promissor e no qual ela teria mais liberdade.

Mortificada por um acontecimento inesperado, April abandona os planos de viagem e toma uma decisão que vai alterar para sempre o destino do casal. É um livro tocante e incrivelmente triste, que nos faz questionar se Frank teve outra chance na vida.

2 – Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera: Barba Ensopada de Sangue foi, sem dúvida, o melhor livro que li em 2013. O primeiro capítulo poderia figurar em outra lista, a de melhores aberturas de romances. O personagem principal conversa com o pai, que tem de um lado a sua cachorra, a Beta, e de outro uma pistola.

O pai abre a garrafa de conhaque, enche uma pequena taça de vidro, bebe tudo de uma vez. Não oferece ao filho. Pega a pistola e a analisa por um instante. Aciona o mecanismo que libera o pente para fora do cabo e o recoloca em seguida, como se apenas quisesse mostrar que a arma está descarregada. Uma única gota de suor escorre por sua têmpora chamando a atenção para o fato de que ele já não transpira por todo o corpo. Um minuto antes, estava coberto de suor. Prende a pistola na cintura da calça e o encara.

Eu vou me matar amanhã.

Como se essa relevação não fosse suficiente, o pai ainda conta a história misteriosa do avô desaparecido em Garopaba, um vilarejo na costa de Santa Catarina, e lhe pede para que fique com Beta, sua cachorra, depois de sua morte.

Esse é o ponto de partida para uma narrativa intensa, do tipo que te faz devorar o livro. O suicídio do pai o leva à Garopaba, para onde também vai em busca de respostas sobre o avô e de distanciamento de outro evento familiar. Entre romances, aulas de triatlon e diálogos afiados, Galera construiu um personagem inesquecível.

É até possível que não houvesse muito mais a desenvolver nessa narrativa e que o resumo da vida dele feito pelo sobrinho, na primeira página do livro, seja suficiente para aplacar a curiosidade de alguns leitores sobre o que teria acontecido com aquele personagem. Mas não a minha. Ficaria muito feliz com uma sequência (ou pelo menos com um livro novo do Galera).

3 – Brooklin, de Colm Tóibín: Nesta delicada trama, Eilis Lacey é uma jovem irlandesa comum, presa à pequena cidade de Enniscorthy, onde vive com a mãe viúva e a mãe Rose. Sem muitas perspectivas, acaba convencida pelo padre Flood a embarcar em uma longa travessia para ir trabalhar no Brooklin, nos Estados Unidos. Ao contrário de outras histórias de imigrantes em busca de liberdade em um continente diferente, Lacey é apenas alguém que se conformou com o que lhe é oferecido, sem muitas ambições e expectativas. A viagem de navio é um desastre e ela demora a se adaptar ao trabalho e à rotina na loja de departamentos.

Aos poucos, porém, passa a gostar daquela vida, especialmente depois que conhece Tony, um jovem de descendência italiana, que a corteja em longos passeios pela região. Até que uma carta faz com que Eilis precise retonar à Irlanda.

Enquanto olhava para Tony lendo a carta, para seu rosto pálido, sua fisionomia mortalmente séria, e via como ele parecia ferozmente concentrado, Eilis adivinhou que estava lendo as partes da carta que indicavam que a mãe precisava de Eilis em Enniscorthy. Agora ela se arrependia de não ter conseguido se controlar mais cedo, de não ter previsto aquilo. E sentiu-se uma burra, porque sabia que não importa o que dissesse agora, não conseguiria mais convencer Tony de que não ia voltar para a Irlanda.

De volta ao seu país de origem, Lacey sente o conforto da casa, do ambiente e dos rostos conhecidos e, ao mesmo tempo, uma saudades que não imaginou que tinha dentro de si. Ela tenta decidir se fica com a mãe e com as outras oportunidades que aparecem ou se volta aos Estados Unidos. A decisão só é tomada nas últimas páginas, e seria ótimo saber se ela, uma personagem delicada a qual rapidamente nos afeiçoamos, foi feliz do lado do continente em que escolheu viver.

4 – A Trama do Casamento, de Jeffrey Eugenides: Embora o título pareça um livro para adolescentes dos anos 90, A Trama do Casamento é uma ótima história sobre a ideia de romance e o amor real, sobre tentativas e erros e principalmente sobre até onde vai a individualidade quando estamos cegos por outra pessoa.

Romântica incurável, como sugere a descrição de sua biblioteca logo na primeira página do livro, Madeleine Hanna se envolve em um complicado relacionamento com Leonard, um gênio atormentado por problemas psicológicos e pela depressão que, na minha cabeça, logo assume a feição de David Foster Wallace.

O relacionamento é uma montanha-russa que varia de acordo com o estado emocional de Leonard, sujeito a ataques psicóticos, internações e uma montanha de remédios. Enquanto tenta sustentar sua ideia de amor, Hanna também é tentada por seus ideais de liberdade e por suas ambições, especialmente depois que recebe a oferta de uma bolsa para se dedicar aos estudos.

A empolgação de Madeleine com sobre o futuro parecia ainda mais em viva em contraste com a súbita falta de empolgação em Leonard. Ele estava mais ou menos bom agora, mais ou menos saudável, mas não sentia mais a energia ou a curiosidade de sempre, não sentia o seu antigo espírito animal.

É uma personagem frágil e forte ao mesmo tempo, com a qual é fácil construir identificações. Abandoná-la não foi fácil. Bem que eu gostaria de ter notícias dela!

5 – Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie: Quem acompanha o blog desde o comecinho pode ter ficado com a mesma sensação que tive quando terminamos de ler Hibisco Roxo, o primeiro título do Clube do Livro do Achados  &Lidos.

Kambili é uma jovem nigeriana nascida em uma família bastante rica, o que não lhe poupa sofrimentos. O pai, religioso fervoroso, é completamente desequilibrado e abusa física e psicologicamente dos filhos. As crianças só vão conseguir ter algum respiro quando passam alguns dias na casa da tia Ifemelu, o sopro de liberdade dessa narrativa.

A tragédia familiar do fim do livro, porém, mostra que a liberdade pode ter um preço muito caro. Quando fechei o livro, fiquei imaginando o que poderia resistir da essência gentil de Kambili depois daquela sequência de eventos. 

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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