[Resenha] Os Buddenbrook

Pequena ou grande, barulhenta ou discreta, rica ou pobre – não importa o tipo, uma família é sempre um terreno fértil para uma boa história. Thomas Mann apostou nessa premissa quando, aos 25 anos, em 1900, concluiu seu primeiro romance: Os Buddenbrook – Decadência de uma família.

O clássico da literatura alemã conta a trajetória desse clã entre os anos de 1835 e 1877. A maior parte das 700 páginas foca na terceira geração, formada pelos irmãos Thomas, Antonie, Christian e Klara. Netos de um poderoso comerciante, eles herdam os negócios e a responsabilidade de preservar a glória do sobrenome.

Esse fardo se mostra mais pesado do que parece. Como bem anuncia o subtítulo da obra, não se trata de uma história de final feliz. Ao longo da narrativa, Mann insere alguns elementos que funcionam como um termômetro material das angústias e dos insucessos da família: a placa suntuosa que identifica o prédio da firma, a mansão na Mengstrasse, a fortuna sempre contabilizada de forma tão precisa e o livro de família, uma espécie de diário do clã. Esses sinais são como lembretes do pesado destino que paira sobre os Buddenbrook:

Tomou o diário, folheou-o e, subitamente, ficou absorta pela leitura. O que lia eram, na maioria, coisas simples, que conhecia havia muito tempo, mas cada um dos que as tinham escrito herdara dos seus antecessores um modo de narrar solene e sem exagero; formara-se assim, por instinto e sem propósito, um estilo de crônica em que se expressava o respeito que uma família tinha a si mesma, assim como à tradição e à história, respeito discreto e por isso sumamente cheio de dignidade.

Cada um dos personagens passa por situações em que é preciso refrear os seus desejos para preservar os rumos de uma história que, na verdade, já estava escrita antes mesmo do seu nascimento. Antonie é a primeira a enfrentar esse dilema. Quando chega o momento de seu casamento, ela percebe que os sentimentos pouco importam diante da necessidade de concretizar, com seu matrimônio, um negócio vantajoso para aumentar o capital da casa Buddenbrook:

– Vou me casar com um comerciante, naturalmente – disse ela. – Ele deve ter muito dinheiro para que a gente possa montar uma casa elegante. É o que devo à minha família e à firma – acrescentou com convicção. – Sim, vocês vão ver, é isso que vou fazer.

Um certo determinismo marca a obra de Mann. Por meio dos Buddenbrook, ele desenha um retrato da burguesia europeia, destacando as dificuldades dessa classe em se adaptar a uma economia em constante evolução. O apogeu não passa de um momento efêmero precedido pela ascensão e seguido pela decadência:

Só lhe cabia manter posições e exercer cargos, mas não havia mais nada que conquistar. Existiam apenas o presente, a realidade mesquinha, mas não o futuro nem projetos ambiciosos. (…)

Thomas Buddenbrook sentia-se vazio; não via nenhum plano animador, nem trabalho interessante a que se pudesse entregar com prazer e satisfação.

Essa ideia dos negócios familiares como empreendimentos cíclicos fica clara logo no início do livro, quando o narrador informa que a mansão ocupada pelos Buddenbrook pertencera a outro clã poderoso, agora em derrocada. No posfácio desta edição da Companhia das Letras, Helmut Galle comenta a influência dessa obra para estudos no campo da Economia:

A construção ficcional mostrou-se tão eficiente que deu origem à “síndrome Buddenbrook”, um conceito da teoria econômica para descrever a incapacidade de empresas familiares de sobreviver a mais de três gerações. “O efeito Buddenbrook”, explica Ghanbari, “denota um modelo de três fases: fundação, consolidação e, finalmente, decadência. Cada fase corresponde a uma geração.”

Paralelamente aos infortúnios financeiros, os Buddenbrook padecem de outras fraquezas humanas, como as doenças, os vícios e os enganos. Tony, tão racional em suas escolhas matrimoniais, acaba por se tornar um estorvo para o sucesso da família. Christian, a ovelha negra do clã, se esconde atrás de defeitos e debilidades para se eximir de suas responsabilidades. O jovem Hanno, único filho de Thomas, evidencia em sua predileção pelas artes e em sua saúde frágil os derradeiros sinais do enfraquecimento comercial da família.

Cada um a seu modo, os personagens desse romance sentem o peso do sobrenome que carregam. No centenário da casa Buddenbrook, Thomas resume bem a sensação:

É bonito homenagear o passado para quem olha confiadamente o presente e o futuro… É agradável lembrarmo-nos dos antepassados, quando sabemos que estamos de acordo com eles e temos certeza de que o nosso procedimento sempre foi de seu agrado…

Embora as descrições minuciosas de Mann sobre vestimentas, costumes e lugares, típicas do movimento naturalista, acabem por datar a narrativa, elas não impedem que temas universais se desenvolvam e deem à obra o fôlego necessário para posicioná-la entre os clássicos, daqueles que permanecem nas estantes por séculos.

As angústias dos Buddenbrook resumem dilemas atemporais, como a capacidade humana de descobrir novos rumos quando tudo parece já tão definitivo ou bem encaixado em uma zona de conforto. Os tempos mudam e os anseios de cada geração, também. Ignorar isso e impor modelos é subestimar a necessidade da sociedade de se reinventar. O apogeu sempre será uma efemeridade. As grandes histórias estão mesmo nos caminhos, seja no de ascensão ou no de decadência.

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
Mariane Domingos

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