[Lista] 5 personagens trabalhadores

Para celebrar o 1º de Maio, comemorado em todo o mundo como Dia do Trabalho, prestamos homenagens a esses personagens que, assim como nós, pobres mortais, precisam enfrentar chefes, horários e as demais pressões da vida laboral.

Trabalhadores do mundo (da literatura), uni-vos!

1. Macabea, de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector: A “delicada e vaga existência” diária de Macabea, a personagem principal desse clássico da literatura brasileira, é preenchida por sua função como datilógrafa, habilidade adquirida em um “curso ralo de como bater à máquina”.

Macabea, uma nordestina de dezenove anos que migrou para o Rio de Janeiro, leva uma vida miserável e sem perspectivas, em um trabalho em que o chefe chega a ameaçar mandá-la embora, mas desiste por sua ingenuidade e delicadeza. Seus dias são preenchidos com pensamentos fantasiosos sobre a infância, a fome e a vontade de ser quem não era.

Ao retratar a personagem, Clarice Lispector habilmente descreveu uma geração de migrantes nordestinos que, em terras cariocas ou paulistas, era invisível socialmente, ocupada com subempregos em uma paisagem urbana que irremediavelmente marchava em sentido oposto. 

Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada.

O pior momento de sua vida era nesse dia ao fim da tarde: caía em meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. Tinha saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora feliz. Na verdade por pior a infância é sempre encantada, que susto.

Quem nunca compartilhou dessa aflição que emana de uma tarde de domingo que atire a primeira pedra!

2. Michael Beard, de Solar, de Ian McEwan: O personagem principal de Solar tem um currículo invejável: ganhador do prêmio Nobel de Física por uma teoria que leva seu nome, Michael Beard vive de palestras, conferências e pareceres até ascender ao posto de chefe do Centro Nacional de Energia Renovável da Inglaterra.

Sua grande contribuição para a área, porém, foi resultado de uma confluência de fatores em que seu talento não necessariamente teve grande peso. Agora, o personagem vive há quase duas décadas obtendo os dividendos de conquistas profissionais obtidas bem no início de carreira (um tipo bem comum na vida corporativa, não é mesmo?).

Como poderia Beard confessar a Jesus que havia anos não praticava a ciência a sério e não acreditava em profundas transformações interiores? Tudo que existia era deterioração interna e externa.

Com a ironia fina característica, McEwan mostra os altos e baixos de um personagem narcisista e sem nenhuma ética no trabalho.

3. Ifemelu, de Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie: O mundo do trabalho certamente ganhou contornos diferentes nas últimas décadas e é natural que essas mudanças estejam refletidas na literatura.

Em alguns casos, chefes e horários rígidos perderam espaço para atividades autossuficientes, como no caso de Ifemelu. A personagem principal de Americanah é uma jovem nigeriana que, diante da falta de oportunidades de estudo em seu país, marcado por greves e por conflitos militares, migra para os Estados Unidos para estudar.

Na América, Ifemelu trava relações com um ilustre desconhecido em sua vida até então: a raça. O preconceito contra negros nos Estados Unidos a leva a começar a escrever para um blog, que se torna bastante bem sucedido. Mas, antes disso, Ifemelu encara a dificuldade que é conseguir uma vaga em um ambiente socio-cultural totalmente distinto ao que ela estava acostumada:

Cada vez que ela ia para uma entrevista de emprego ou fazia um telefonema sobre uma vaga, ela dizia a si mesma que que este seria, finalmente, o seu dia; dessa vez, a vaga de garçonete, recepcionista ou babá seria dela, mas mesmo que ela torcesse por si mesma, já havia uma sombra crescente em um canto da sua mente. “O que eu estou fazendo de errado?”, ela perguntava a Ginika, e Ginika lhe dizia para ser paciente, para ter esperança.

Ngozi Adichie explora, por meio dessas frustrações, como é a vida de um imigrante, até que Ifemelu consiga se estabelecer e conquistar seu próprio espaço na América. O problema, então, é que ela será uma estrangeira em sua própria casa.

4. Rob, de Alta Fidelidade, de Nick Hornby: Neste livro despretensioso, mas muito divertido, Rob tenta se refazer após o fim do relacionamento com uma namorada, o que o leva a questionar toda a sua vida até aquele momento.

Dono de uma loja semi-abandonada de discos em Londres, o personagem tenta sair do impasse por meio de listas,  dos cinco rompimentos mais importantes de sua vida até a trilha sonora perfeita para curtir uma fossa, buscando sempre o apoio emocional de sua vasta coleção de CDs. Difícil não se identificar com esse trecho:

Na noite de terça-feira eu reorganizo minha coleção de discos; eu sempre faço isso em período de stress emocional. Uma parte das pessoas poderia achar essa uma terrível maneira de passar um fim de tarde, mas eu não sou uma delas. Essa é a minha vida, e é bom poder se aprofundar nela, imergir seus braços nela, tocá-la.

Sem muitas aspirações na carreira, Rob tenta procurar respostas em seu passado. Leve e de um humor autoirônico difícil de resistir, esse é um ótimo livro para as férias ou para descansar a cabeça depois de uma longa semana no trabalho (ou te fazer se sentir um pouco melhor consigo mesmo).

PS: Está de bobeira no feriado? Alta Fidelidade já foi adaptado para o cinema e tem John Cusack no papel principal, com uma atuação perfeita para o personagem. Ainda que aqui no Achados e Lidos sejamos fiéis aos livros, o filme é divertidíssimo e ainda conta com o bônus de ter uma ótima trilha sonora.

5. Renée, de A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery: Uma zeladora de um prédio parisiense que prefere ocultar sua cultura e conhecimento é o pano de fundo desse romance de Muriel Barbery, que vendeu mais de 900 mil exemplares na França.

Renée, a personagem que narra a maior parte do romance, guarda para si seus gostos refinados e sua ampla capacidade de raciocínio lógico porque sabe que os moradores do prédio do qual ela é zeladora se assombrariam caso enxergassem nela algo mais do que alguém que está sempre ali perto da porta, disposta a resolver problemas ou socorrer alguém em necessidade. Por vezes, ela deixa escapar algum comentário, mas quase nenhum dos oito inquilinos consegue enxergar além das convenções sociais:

Como sempre, sou salva pela incapacidade dos seres humanos de acreditar naquilo que explode a moldura de seus pequenos hábitos mentais. Uma zeladora não lê A Ideologia Alemã, e, por conseguinte, seria incapaz de citar a décima primeira tese sobre Feuerbach. Além disso, uma zeladora que lê Marx está, necessariamente, de olho na subversão e se vendeu a um diabo que se chama Confederação Geral dos Trabalhadores, a CGT.

Paloma, de doze anos, é das poucas moradoras que consegue ver por dentro da couraça de proteção de Renée. Procurando um sentido para sua vida, é Paloma quem ligará as pontas da existência da zeladora com outro personagem igualmente reservado.

É a luta de classes combinada ao melhor da literatura!

Lembrou de outro trabalhador da literatura? Conte para a gente nos comentários!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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4 Comentários

  1. Faltaram Étienne, Maheur, Catherine, Bonnemort… Todos de Germinal. Adorei as escolhas, mas precisava pedir pelos personagens do meu livro predileto na vida.

  2. Mariane Domingos

    3 de maio de 2017 at 11:24

    Renée e Macabea = <3 Lembrei-me também de Fabiano e Sinhá Vitória, de Vidas Secas – representantes emblemáticos dos trabalhadores rurais e da atividade que tem um dos patrões mais rigorosos, a natureza.

  3. Me lembrei de Carrie Meeber e Clyde Griffiths, protagonistas dos romances: Sister Carrie e Uma Tragédia Americana, respectivamente. Ambos escritos pelo estadunidense Theodore Dreiser.

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