Detesto arrumar malas. Mas gosto de um momento específico dessa tarefa: separar os livros que levarei na viagem. Me permito excessos nesse quesito. Tudo que economizo de espaço na seleção das roupas, preencho com livros. Isso porque quando o assunto é literatura, toda minha objetividade se resume a esta bela frase do escritor moçambicano Mia Couto:

O segredo é permitir que as escolhas que a vida nos impõe não nos obriguem a matar a nossa diversidade interior. O melhor nesta vida é poder escolher, mas o mais triste é ter mesmo que escolher.

Na hora da arrumação, quero colocar toda minha diversidade literária interior na mala, rs. Não me apego muito a questões práticas, como por exemplo quantos dias dura o passeio. Gosto de estar preparada para qualquer tipo de imprevisto literário. Levar um livro apenas? Jamais. E se eu não gostar da história?

É preciso pensar que a viagem vai além da estadia. São também as longas esperas e trajetos. Minha paranoia com horários me rende bons períodos de leitura. Sem contar o efeito calmante que os livros têm sobre mim – é bem-vinda qualquer distração para as turbulências do avião ou para o fato de que os ponteiros do relógio não andam quando queremos chegar logo.

Mais importante do que saber se a viagem dura um fim de semana ou um mês, é saber o destino. Para o exterior, sempre gosto de levar um autor brasileiro, para atrair olhares curiosos para nossa literatura. O clima também influencia. Certas leituras combinam com inverno, outras com verão. Umas são propícias para praia, outras para o campo.

Praia, aliás, é um capítulo à parte. Não me dou muito bem com a areia e tenho uma certa aversão ao imaginá-la invadindo as páginas do livro. Tem ainda o perigo da maré que pega o leitor desprevenido – já quase perdi um exemplar novinho nessa brincadeira! Ainda assim, minha bolsa de praia pode até não ter protetor solar, mas tem um livro, porque, no fim das contas, poucos cenários combinam tão bem com literatura do que o mar.

Embora não pareça muito até agora, também sei ser racional nas minhas escolhas literárias para viagens. Peso é uma questão inevitável. Como ainda não sou adepta do livro digital, as coleções de bolso ganham minha preferência nessa hora.

Quanto a estilo e temáticas, dou prioridade para leituras menos complexas. Quando estamos viajando, principalmente a lazer, nossa mente está programada para relaxar. Faulkner, por exemplo, não é uma escolha muito sábia para uma mala de férias.

Não impor metas é regra de ouro. Quantas vezes levei vários livros para viagens de lazer e não li mais que vinte páginas no total. Por mais que a gente ame livros, é sempre saudável diversificar os hobbies. O foco da viagem deve ser a viagem!

Também não sou do tipo que sente peso na consciência por comprar mais livros em viagem quando já há alguns na mala. Sempre há espaço para mais um. Voltar com uma lista de não lidos maior é um objetivo que trabalho muito bem. Já cheguei a me empolgar tanto com uma compra que interrompi outras leituras e terminei a do livro novo antes de chegar em casa! Era um título do Roberto Bolaño: mais do que justificável.

Desde que lançamos o blog, outra motivação, de ordem estética, tem guiado minha seleção literária de viagem. Como não amar fotos de livros em paisagens diferentes – um mar, uma praça, um monumento? Mala de blogueira normalmente é carregada de roupa. As nossas, de livros. Temos #bookdodia em vez de #lookdodia! Enquanto as pessoas tiram selfies ou flagram o por do sol na praia de Ipanema, eu sou o ser estranho que fica esperando o instante de mar vazio para posicionar a capa no melhor cenário.

Poucos clichês são tão verdadeiros quanto o que diz que livros nos fazem viajar sem sair do lugar. Nada mais justo do que os levarmos, de vez em quando, para passear também!

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
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