Pessoas Normais (Companhia das Letras, 264 páginas) é, a princípio, um romance adolescente. Connell e Marianne se conhecem na escola de ensino médio em que os dois estudam, em uma cidade do interior da Irlanda, e se apaixonam. Poderia ser só isso, mas Sally Rooney encontra na força do primeiro amor, com seus desencontros, desencantos e dificuldades, o caminho para escrever um livro muito saboroso, daqueles que fazem a gente querer voltar a viver as angústias e dramas da adolescência.

O romance é improvável. Marianne é uma garota reclusa na escola, com dificuldade de se relacionar com os colegas e com a família. Já Connell é o astro do time de futebol, popular e sempre rodeado de amigos. O encontro dos dois, embora convivam nas salas de aula, se dá na casa de Marianne: a mãe de Connell é funcionária da mansão em que ela vive, o que também logo evidencia a distância social entre os dois.

Apesar dessas barreiras, o casal acaba estabelecendo uma química rara na literatura, mas que neste romance funciona muito bem. Em sua própria descrição do livro, a editora Companhia das Letras fala que Rooney é a voz da geração millenial. Não sei se eu iria tão longe, mas que a autora cativou a autora desta resenha, não há sombra de dúvidas.

Talvez esse apelo esteja no papel central que a comunicação – e principalmente a falta dela – tem no livro. A geração millenial cresceu no mundo offline, mas virou adolescente em um mundo cada vez mais conectado. Se por vezes isso facilita a vida, a verdade é que na maior parte das ocasiões o que se produz é um contato superficial, que não coloca as partes de fato frente a frente. Esse subtexto está presente em todo o livro.

De forma hábil, Rooney alterna o narrador de modo que os mal entendidos, os não-ditos e os ruídos entre os dois fiquem cada vez mais claros para nós, leitores. Os personagens tentam, mas não conseguem abrir um caminho de conversa franca e muito menos explorar seus sentimentos, embora sejam próximos e invariavelmente recorram um ao outro quando se encontram em momentos difíceis.

Há, também, uma parte mais obscura na passagem da adolescência para a vida adulta: o bullying, o assédio, a falta de amor próprio que muitas vezes nos levam para lugares escuros, decisões impensadas e riscos totalmente prescindíveis. Marianne e Connell também não conseguem evitar esse caminho e, por vezes, acentuam o mal-estar um do outro. Em uma leitura que atrai e repele ao mesmo tempo, Rooney nos delicia com um livro que vai muito além de um romance água com açúcar.

E, para quem ficou curioso, a obra foi adaptada recentemente como série de TV, e está disponível no Brasil na plataforma Starzplay.

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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