A prova dos calhamaços

Terminar um livro extenso está entre as maiores vitórias de um leitor. Os que ultrapassam as mil páginas ou têm mais de um volume dão um orgulho extra. Se é um clássico, então, é motivo para você começar toda conversa literária citando sua conquista.

Não sou maratonista, mas acredito que seja uma sensação parecida com a de um atleta ao concluir uma prova longa. Esse tipo de leitura exige concentração, perseverança e disciplina, e quando você vira a última página parece que todo o esforço valeu a pena.

São diversas as táticas para encarar uma leitura longa. Há quem leia metodicamente a mesma quantidade de páginas todos os dias. Há quem prefira seguir o ritmo da história. Eu sou um meio termo. Começo me planejando: “se eu ler x páginas por dia, termino em x dias”. Isso me anima no início, porque o que parece interminável ganha limites tangíveis. Mas a realidade é uma outra história. Os trechos morosos, bem como os mais excitantes, estragam qualquer planejamento.

Outro detalhe que pode atrapalhar bem o cronograma é de ordem prática. Quem consegue carregar Guerra e Paz na bolsa, por exemplo? Embora eu tenha vontade de mostrar a todos que estou lendo aquele calhamaço, a saúde da minha coluna me impede. Fato: não dá pra levar as leituras longas para todos os lados.

É preciso reservar um tempo em casa e preparar os braços, porque, dependendo da posição que você escolhe, a leitura se torna quase um exercício de musculação – levantamento de livro. Embora eu ame edições gigantescas com suas lombadas de letras garrafais que impõem respeito em qualquer estante, tenho que admitir que aquelas divididas em volumes são mais práticas.

Histórias longas também costumam ter vários personagens, o que causa outra dificuldade: como faz para lembrar os nomes de todos eles? É igual às novelas do Manoel Carlos – o elenco é grande e, às vezes, um personagem fica dias sem aparecer. Daí ele volta e você não faz ideia a qual núcleo ou família ele pertence e se é relevante (ou não) para a história.

Tudo se complica ainda mais quando a literatura é estrangeira. Helena, por exemplo, é um nome fácil de memorizar. Agora tente lembrar que Kitty, Katierina, Kátia e Kátienka são todos apelidos de Iekatierina Aleksándrovna Cherbátskaia Liévina, uma das personagens do grande romance de Liev Tolstói, Anna Kariênina, que, aliás, vale muito a leitura. Quem gosta de literatura russa sabe que não é fácil acompanhar os nomes cheios de consoantes, as corruptelas e os patronímicos.

Penso que, nesse ponto, as editoras têm muito a contribuir. No caso de Anna Kariênina, tenho a edição maravilhosa da saudosa Cosac Naify, que traz, nas últimas páginas, uma lista completa de personagens, indicando todos seus apelidos, além de uma árvore genealógica (que contempla casados, irmãos, filhos, falecidos e até amantes!). É isso que eu considero um incentivo à leitura.

Se a história é boa, a gente supera todos esses desafios e alcança a linha de chegada. Mas aí começa o grande desafio, na minha opinião. O desapego dos personagens queridos. O maior livro que já li foi Os Miseráveis, de Victor Hugo. Levei bons meses para terminá-lo e recordo que foi quase o mesmo tempo que demorei para amenizar a saudade que sentia de Jean Valjean, o herói da história. Quando cheguei à página 1269, senti-me órfã. Acompanhei durante tanto tempo as aventuras (ou melhor, desventuras) de Jean e, de repente: Puf! C’est fini. Nas últimas páginas, até coloquei o pé no freio e comecei a ler em pequenas porções.

Tento definir pelo menos uma leitura longa como meta por ano. Em 2016, é a vez de Graça Infinita, de David Foster Wallace. Estou quase na metade e restam mais de 500 páginas pela frente. É uma leitura densa, mas David era um gênio. É um dos meus escritores favoritos e não posso não ter essa obra-prima em minha lista de achados e lidos. Sou perseverante, mas confesso que às vezes tenho a impressão de que as páginas se multiplicam e que a fonte é tamanho 10, o espaçamento, mínimo e as margens, estreitas. Torçam por mim!

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
Mariane Domingos

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2 Comentários

  1. ”Anna Karenina” foi o clássico mais extenso que li. Acredito ter lido num tempo razoável, não só porque adorei o livro, mas porque ele era emprestado e esta pode ser uma boa estratégia para livros longos: ”deadline”.

    • Mariane Domingos

      22 de março de 2016 at 23:07

      Ótima estratégia essa do livro emprestado, Lilian, amei! haha E Anna Kariênina é mesmo uma obra fantástica. Os personagens e o enredo são muito envolventes. Não à toa teve várias adaptações para o cinema! Fora que é o livro com a melhor primeira frase: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. <3

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