Há algum tempo comentei por aqui que ir a livrarias não é, para mim, uma atividade puramente comercial. Sempre presente nos meus roteiros de viagem, o turismo literário já me rendeu ótimos passeios. Por isso, a lista da vez é sobre livrarias que visitei e que recomendo para todos os apaixonados por livros!

1. Shakespeare and Company, em Paris: entrar na Shakespeare é se sentir em uma atmosfera que vive literatura em todas as formas, muito além dos livros. Sua história começou nos anos 20 com a americana expatriada Sylvia Beach. Ela fundou esse espaço que, além de vender e emprestar livros, tinha na lista de frequentadores assíduos grandes nomes da chamada Geração Perdida – Hemingway, Fitzgerald, Pound e Joyce são alguns dos que passavam horas lendo e escrevendo no local. Não à toa, a livraria aparece no filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen. Beach fechou as portas durante a ocupação nazista e nunca reabriu o negócio.

A vista é um cartão-postal de Paris, a Catedral de Notre-Dame

A vista é um cartão-postal de Paris, a Catedral de Notre-Dame

Essa missão ficou com outro americano, George Withman. Na década de 50, ele abriu no número 37 da Rue de la Bûcherie, em um prédio do século XVI, a Le Mistral, que mais tarde, em uma homenagem à Beach, se tornaria a nova Shakespeare and Company. Numa carta aos pais, Withman revela: “Eu espero, finalmente, ter encontrado um canto onde eu possa observar, seguro, o horror e a beleza do mundo”. Sua profecia deu mais do que certo! A Shakespeare não é apenas uma livraria que vende literatura inglesa. Como bem disse Bruce Handy, em uma reportagem para Vanity Fair, Withman gerenciou a Shakespeare mais como um laboratório social do que como um negócio.

Um bom exemplo são os tumbleweeds, termo que alude às plantas secas que rolam pelos desertos americanos e que era usado para denominar os funcionários da livraria – jovens estudantes que trocavam sua mão de obra por uma cama nas acomodações anexas à loja. Hoje, os empregados são vendedores experientes, que trabalham em tempo integral, e que são auxiliados pela versão atual dos tumbleweeds – jovens estudantes que podem dormir uma semana na livraria em troca de ajudar os vendedores, produzir sua própria biografia e ler ao menos um livro por dia. Sonho, não?

O apelido de Withman era Dom Quixote do Quartier Latin, por sua excentricidade, generosidade e espírito livre. Ele viveu e morreu, literalmente, entre os livros. Foi em sua casa, no 4º andar do prédio da livraria, que Withman faleceu aos 98 anos.

Quem assumiu o controle do negócio foi sua filha Sylvia Withman. Ao que tudo indica, ela vem fazendo um ótimo trabalho. Manter vivo o projeto do pai não é tarefa fácil, especialmente em tempos de grandes corporações engolindo setores inteiros. Sylvia está conseguindo manter a áurea do lugar, sem deixar de ampliar o negócio e modernizá-lo em alguns aspectos. A loja agora tem site, e-commerce e contas nas redes sociais.

Uma das estratégias para se destacar é oferecer uma experiência diferente ao cliente, por meio de serviços de customização que vão desde carimbar a primeira página do livro até colocar dentro da encomenda poemas surpresas que são digitados pelos tumbleweeds nas velhas máquinas de escrever da livraria.

Shakespeare and Company Café

O Shakespeare and Company Café foi inaugurado em 2015

Ano passado, Sylvia Withman também conseguiu tirar do papel um sonho antigo do pai. Foi inaugurado, ao lado da loja, o Shakespeare and Company Café, que tem uma atmosfera tão literária quanto a da livraria. Impossível não se encantar, por exemplo, pelos papéis que cobrem as bandejas onde é colocada a comida. Eles trazem uma versão do questionário de Proust – lista de perguntas de autoconhecimento famosa por ter sido respondida pelo escritor francês. Como se não bastasse esse ambiente, você ainda aprecia o delicioso menu da casa com vista para Catedral de Notre-Dame. Não havia cidade melhor no mundo para abrigar uma livraria desse porte!

Ps.: se você quiser saber mais sobre a Shakespeare e como ela vem sobrevivendo década após década como um refúgio para quem ama literatura, clique aqui leia a reportagem da Vanity Fair que citei lá em cima!

2. Lello, em Porto: não dá pra falar sobre livrarias e não citar Portugal. Além de belos castelos e igrejas, o país é também destino digno de turismo literário. Inaugurada em 1906 pelos irmãos Lello e instalada em um edifício de estilo neogótico, a livraria é uma das atrações da cidade de Porto. A fachada já chama atenção, mas o ponto alto é mesmo o interior, sobretudo a escadaria central vermelha, que contrasta com as estruturas em madeira e os detalhes art déco nas paredes. No piso inferior, nos armários envidraçados, ficam os exemplares mais antigos, alguns deles raros e primeiras edições. Além das paredes cobertas de livros e dos bustos de escritores portugueses espalhados pelo ambiente, é impossível não desviar o olhar para o teto, que abriga um belo vitral e aparenta ser de madeira talhada (na verdade, trata-se de um gesso pintado). Nós, turistas brasileiros, ainda temos a vantagem de poder fazer umas comprinhas sem nos preocuparmos com o impeditivo mais comum quando se visita uma livraria no exterior – o idioma!

Interior da livraria Lello, em Porto, Portugal

Interior da livraria Lello, em Porto, Portugal

3. El Ateneo Grand Splendid, em Buenos Aires: o que não falta na capital portenha são livrarias, mas se tem uma que não pode faltar no roteiro é a El Ateneo. Eleita em 2012, pelo jornal britâncio The Guardian, a segunda livraria mais bonita do mundo, ela foi instalada onde antes funcionava o teatro Grand Splendid. Bem menos intimista que a Shakespeare e a Lello, é o passeio ideal para quem gosta de “perder” horas percorrendo infinitas prateleiras. Depois de gastar sola de sapato por todos os andares, a dica é descansar tomando um cafezinho no famoso palco, que já recebeu personalidades, como Carlos Gardel. Chique, não?

4. Ulises Librería, em Santiago: se o seu sonho é viver rodeado de livros, a Ulises tem que estar na sua lista de lugares para conhecer antes de morrer! O teto espelhado da loja dá a incrível sensação de estar na terra das maravilhas dos livros. Nos últimos anos, o negócio passou por dificuldades financeiras que levaram ao fechamento de algumas unidades. Estive lá em fevereiro deste ano e a loja do Bairro Lastarria continua firme e forte. Esperamos que a crise seja passageira!

Librería Ulises, em Santiago, no Chile

Librería Ulises, em Santiago, no Chile

5. Bookmarc, em Nova Iorque: em 2010, quando a maioria dos empreendedores já não cogitava investir em uma livraria, o estilista Marc Jacobs foi na contramão e inaugurou na Bleecker Street, em West Village, Nova Iorque, a Bookmarc, que reúne uma enxuta, mas ótima seleção de livros de fotografia, moda, arte, cultura pop, ficção e títulos raros, além de acessórios e itens de papelaria que levam a assinatura do estilista. Nem preciso dizer o quanto amei essa visita, não é? O empreendimento deu tão certo que, hoje, a Bookmarc já tem endereços em Los Angeles, Paris e Tóquio.

bookmarc

A Bookmarc de Nova Iorque, situada em West Village

E, como já era de se esperar, quando se trata de livrarias, não me controlo muito bem. Além disso, fazer conta não é o meu forte, por isso a minha lista de cinco terá na verdade seis livrarias, porque me lembrei da charmosíssima La Briqueterie que conheci por acaso em minha última viagem, caminhando pelo bairro antigo de Nice (Vieux Nice). A portinha discreta abriga um ambiente de luz baixa, decoração rústica, sem muitos turistas e com um cantinho adorável dedicado à papelaria do tipo artesanal. Vale se perder por ali!

La Briqueterie Librairie Concept Store, em Vieux Nice, França

La Briqueterie Librairie Concept Store, em Vieux Nice, França

E você, tem alguma livraria para indicar como turismo literário? Deixe aqui nos comentários!

Mariane Domingos

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Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
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