Para acumuladores de livros compulsivos como nós aqui do Achados e Lidos, há um lugar na terra que se assemelha muito ao paraíso: a Festa do Livro da Universidade de São Paulo (USP). O evento acontece todo fim de novembro e já em outubro começamos a nos preparar. Primeiro vem aquela ansiedade com a divulgação das datas. Depois, a espera pelas editoras participantes e, por último, o catálogo que cada uma vai levar para o evento.

São 150 editoras, mas é possível gastar uma pequena fortuna em apenas duas ou três. A Festa acontece desde 1999, sempre organizada pela Edusp, mas só descobri esse maravilhoso evento em 2008, já no segundo ano de faculdade. Eu e a Mari simplesmente não podíamos acreditar quando descobrimos que a USP, entre tantas maravilhas e coisas nem tão legais assim, contava com uma feira de livros com descontos de no mínimo 50%.

De lá para cá, diria que uns 30% da minha biblioteca foi formada nessas datas. Foi por causa da Festa (e da Editora 34, claro) que me apaixonei pelos russos. Foi lá que completei Em Busca do Tempo Perdido, embora até hoje não tenha conseguido passar do terceiro livro da obra-prima de Marcel Proust.

A saudosa Cosac & Naify, que levava T-O-D-O o seu acervo para a festa, era parada garantida. Entre livros que adorei – como David Copperfield – e outros que ficaram para sempre de enfeite na estante (onde estava alguém com bom senso quando comprei História do Vestuário no Ocidente?), batalhei muito no balcão da editora para conseguir completar a minha lista.

E quando digo batalhar não é figura de linguagem. A Cosac, pelo menos enquanto a Festa ainda acontecia no exíguo espaço da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, ocupava sempre um estande de no máximo uns dezesseis metros quadrados. Os atendentes ficavam na parte de dentro, entre o balcão e uma enorme mesa com os livros do catálogo. Para conseguir um exemplar, era preciso unir rapidez, gogó e astúcia: além de pescar a atenção de um dos vendedores, você tinha uns 20 segundos para gritar os livros que queria e fazer o atendente entender e anotar seu nome (no meu caso, diga-se de passagem, uma dificuldade extra).

A encomenda então seguia para a área do caixa, e invariavelmente sobrava ou faltava algum livro. A batalha tinha que começar de novo. Na Companhia das Letras, que só começou a participar em 2010, a situação foi melhorando ao longo dos anos, mas amarguei umas três horas e meia na primeira participação da editora. A impressão era que com certeza a Cia. não voltaria. Mas todos os anos eles nos surpreendem e estão lá, com um catálogo cada vez maior.

À medida que mais editoras chegavam para a Festa, o prédio de Geografia e História, já pouco adaptado para esse tipo de evento, ficou mais e mais inadequado. O episódio derradeiro aconteceu em um ano de fortes chuvas, que inundou a FFLCH e acabou com a festa. O evento então migrou para os prédios da engenharia, a Poli. A festa também foi empurrada uns dias, já que as aulas ali demoravam mais para terminar.

Na Poli, acontecia uma bagunça organizada que, creio, nem os engenheiros eram capazes de entender. Me esforçava para descobrir onde estava a Companhia das Letras (só seguir as filas), a Cosac (o barulho), a Editora 34 e a Globo Livros (mais difíceis, porque menos concorridas). O restante era sorte: as editoras ficavam espalhadas em vários prédios, que eu não conseguia compreender nem quando estavam vazios, imagina então com pessoas se acotovelando nos corredores, usando suas malas para abrir passagem.

Por ter muitos livros não lidos (motivo real: falta de dinheiro), pulei as últimas duas edições do evento. Por isso, 2016 foi uma grata surpresa. A festa passou a ser organizada fora dos prédios das faculdades, evitando assim que os alunos tivessem que conviver com a bagunça que é inerente ao evento. Três tendas foram montadas em uma rua perto da Praça do Relógio, com bastante espaço de circulação e boa organização entre editoras infantis, universitárias e comerciais. O que antes era quase um campo de guerra passou a ser um convidativo passeio por editoras que nem sempre nos chamam atenção nas livrarias.

Quase fui seduzida pela Taschen (ahan, a Taschen leva seus maravilhosos livros de arte para a festa – com 50% de desconto!). Fiquei tentada por um livro da Bela Gil, mas decidi substituí-la por Rita Lobo. Passei incólume por Os Sertões, da Editora Ubu (a estreante na festa!), ainda inacessível, mesmo com o desconto de R$ 75. Saí de lá com dois livros da LP&M, que não comprava desde os tempos de faculdade.

Entre desistências e aquisições de última hora, foram 20 livros novos para a coleção, sem contar as encomendas para dois amigos. A situação não foi pior porque perdemos a Cosac & Naify, o que deveria merecer um minuto de silêncio na abertura do evento.

O mais legal da Festa (fora esse nome maravilhoso!) é que, com preços reduzidos pela metade, temos mais coragem de arriscar nas escolhas. Esse ano, por exemplo, foi a vez de Doris Lessing (já resenhada aqui) e Marçal Aquino, que já tinha namorado nas livrarias, mas não tinha lido ainda. Ainda entre os novos autores na estante estão Javier Marías (indicação da Mari), Richard Flanagan (curiosíssima) e Alberto Manguel. Velhos amores, como Mario Vargas llosa e J. M. Coetzee, também tiveram vez. A desculpa é que preciso de acervo para o blog, então espero ler tudo o que comprei nos próximos 12 meses (me cobrem no fim de 2017!).

Também é ótimo perceber que os acumuladores de livros são um grupo cada vez maior. A literatura, para relembrar a frase de uma queria professora, está “alive and kicking”. A emoção é tanta que muita gente circula com mala pelos corredores da Feira (me rendi a esse grupo, neste ano).

Ao contrário de mim, uma boa parte tem a desculpa acadêmica para se entupir de livros. Na minha frente na fila da Companhia das Letras, por exemplo, um moço levou praticamente a coleção inteira das obras de Freud. Eu mesma, há muitos anos, fui seduzida por quatro volumes dessa coleção. Mas tudo bem, né? Aqui no Achados e Lidos, acreditamos que não existe tal coisa como “livros demais”, mesmo quando falta espaço na estante.

Gostaram da Festa? Então podem começar a contar os dias no calendário. Faltam menos de 350 dias para a décima nona edição do evento!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
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