[Divã] O futuro das livrarias

As últimas semanas foram repletas de notícias bombásticas para os apaixonados por literatura. Infelizmente, as surpresas não foram boas. Primeiro, a crise na Livraria Cultura e a possível fusão com a Saraiva. Depois, os rumores sobre o encerramento das operações da Fnac no país.

O que está acontecendo com o mercado? Que os brasileiros não estão entre os povos que mais leem no mundo, não é novidade para ninguém. Isso, no entanto, não impediu que as grandes livrarias sobrevivessem e até expandissem sua presença no território nacional nas últimas décadas. Crise econômica? Sem dúvida, todos os setores sentem seus efeitos, mas não acredito que ela seja predominante para a situação em questão. Observando meus próprios hábitos de consumo, cheguei à conclusão de que o faturamento das livrarias vem caindo porque o modelo de negócio está se transformando.

Impossível não identificar nesse cenário a presença da Amazon no Brasil. Promoções todos os dias, preços muito mais baixos que os do mercado e agilidade (muita agilidade) na entrega. Sempre que um livro sai da minha lista de desejo para o carrinho, entram pelo menos uns cinco novos. A julgar pelo meu comportamento de consumo, eles lucram em cima da quantidade. Dá pra contar nos dedos as vezes em que comprei na Amazon e não atingi o valor mínimo para não pagar frete. Minha lógica funciona assim: R$ 4,90 no frete? Com mais R$ 5 ou R$ 10 pego um livro do super saldão da Cosac Naify. Um desperdício gastar esse valor em um serviço que pode ser gratuito! E tenho certeza de que não sou a única que pensa assim.

Embora eu tenha comprado muito mais online nos últimos tempos, ainda frequento livrarias e faço compras que me custam, somando ao valor do livro os gastos com deslocamento, em média 40% a mais do que se eu tivesse comprado na Amazon. Por quê?

Posso dar uma lista de razões. Navegar pelas páginas de um e-commerce não é o mesmo que vasculhar prateleiras. Clicar na descrição do produto e ver que ele pesa 700g não se compara a sentir a textura da capa ou o cheiro de livro novo. Ler a “avaliação dos clientes” ou clicar no “quem viu este item também viu…” nunca vai substituir o bate-papo com o livreiro, para saber o que ele anda lendo e o que recomenda. Um cupom de desconto em formato de marca páginas, daqueles que foram impressos aos milhares e que todos os seus amigos receberam, igualzinho, em suas caixas, não se compara à exclusividade de ter um livro carimbado ou um poema surpresa solto em meio às páginas. Clicar em “Sobre o autor” está longe de ser a mesma experiência de eventos como sessões de autógrafos. Livros não são impessoais e as empresas de tecnologia ou as grandes redes de livrarias ainda têm muito que refletir sobre isso antes de encontrar um caminho duradouro.

A própria Amazon, depois de um período de disputas homéricas contra gigantes da tecnologia e grandes editoras para baixar o preço dos e-books e popularizar o uso do Kindle, agora se volta novamente aos livros impressos, aplicando grandes descontos e investindo na abertura de lojas físicas, cuja proposta é misturar o melhor da experiência de compras online e offline.

Talvez eles já estejam notando que uma estratégia baseada apenas em preço não se sustenta. Basta olharmos com atenção para o surgimento das grandes redes. Antes de termos Culturas, Saraivas e Fnacs espalhadas pelo Brasil, as opções, especialmente em cidades menores, eram livrarias pequenas, que dispunham de um catálogo bem mais enxuto e, muitas vezes, com preços maiores, mas que tinham uma relação mais pessoal com os habitantes do entorno.

As megalojas chegaram com seus preços atraentes, seus catálogos infinitos e sua agilidade – tudo que a Amazon tem hoje – e derrubaram as livrarias pequenas. Nessa trajetória, elas pagaram o preço da expansão: a perda de identidade e de proximidade. Algumas delas passaram a vender uma variedade de produtos que fica difícil até caracterizá-las como livrarias. Quando apareceu um competidor mais eficiente nas mesmas características que as levantaram outrora, já não lhes restava um diferencial.

Minhas apostas para que esses negócios retomem um caminho de sucesso estão na ideia de que comprar um livro não precisa ser apenas comprar um produto. Todos aqueles itens que listei acima – que me fazem ir até uma livraria – podem e devem ser precificados.

Beleza, customização, curadoria e proximidade são os pontos em que há mais oportunidades. Uma livraria bem decorada, com belas prateleiras e espaços para leitura enchem os olhos e são a concretização do sonho de qualquer leitor voraz. Elas atraem de compradores a turistas e fazem da ida à livraria um passeio. Da mesma forma, o embrulho de presente customizado ou uma surpresa no pacote trazem a exclusividade tão procurada em tempos de massificação.

Quem ama literatura ama falar sobre livros, trocar informações. O cliente que não é tão próximo do universo literário anseia por aquela dica certeira, para se sentir menos perdido em meio a tantas opções. O livreiro bem informado e que realmente se interessa pelo seu objeto de trabalho deveria ser o maior diferencial desse mercado. Quantas vezes entrei em lojas de grandes redes e tive que soletrar nomes de escritores célebres ou então fiquei arrumando prateleiras que tinham autores ingleses na seção de literatura brasileira? Livrarias devem ser ambientes de trocas. Sessões de autógrafos, rodas de histórias, clubes de leitura: as pessoas valorizam espaços literários mais do que lojas de livros.

E o curioso é que, algumas dessas premissas, como a curadoria e a customização, não dependem apenas das lojas físicas. Não é preciso desistir do mundo online. Há oportunidades aí também. As livrarias independentes, por exemplo, têm renascido apoiando-se em estratégias como recomendações personalizadas de leituras para clientes ou brindes surpresas na entrega do pedido. O número de negócios desse tipo nos Estados Unidos aumentou 15% de 2010 para 2015.

Todos esses pontos me levam a uma conclusão que vários setores, não apenas o de livrarias, estão percebendo: os consumidores buscam cada vez menos bens materiais e mais experiências. O custo menor hoje está com os grandes e-commerces, mas amanhã pode ser de um aplicativo de compartilhamento de livros, por exemplo.

Uma relação baseada em números, como é a do preço, nunca irá se sustentar, principalmente quando o assunto é literatura – menos ciências exatas, impossível. São poucos os produtos que conseguem extrapolar com facilidade o material para o campo do humano, das experiências. Os livros estão entre essas exceções e já passou da hora de os negócios do ramo perceberem essa grande vantagem e se reinventarem.

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
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2 Comentários

  1. Olá Mariane! Descobri o site recentemente e estou adorando os textos. Concordo com suas colocações, principalmente com a parte de que os leitores estão muito mais em busca de experiências literárias do que apenas preços baixos. E tem um detalhe que acho que foi o “pulo” do gato da Amazon: parceria com youtubers ou booktubers. Quem valoriza a discussão sobre livros, leituras, resenhas, segue blogs e canais no YouTube (eu!). A Amazon entrou massivamente com parceria com youtubers em 2016, eles resenham um livro e indicam o link da Amazon para compra. O caso do canal Pipoca e Nanquim, sobre quadrinhos, toda promoção da Amazon eles fazem vídeo mostrando a HQ física que está em promoção, às vezes mostram o interior do livro, fazem um breve comentário sobre aquela HQ e deixam o apaixonado por quadrinhos louco para comprar. Quer experiência de compra e estratégia de venda melhor do que essas? Não há. Eu ainda frequento e compro em lojas físicas, principalmente na Saraiva da minha cidade, mas nunca compro um livro sem olhar a resenha em algum blog ou olhar a nota no skoob. Abraço!

    • Mariane Domingos

      14 de março de 2017 at 12:29

      Olá, Maria! Que bom que está gostando dos posts e nos acompanhando! Amamos receber comentários dos leitores. 🙂 A Amazon tem mesmo uma estratégia muito assertiva. Eles estão buscando o equilíbrio entre o melhor da experiência online e da offline. Eles encontram na própria tecnologia recursos para amenizar a impessoalidade, como essas parcerias que você comentou. Tem tudo para ser um caminho de sucesso!

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