“No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.” A famosa frase de Fernando Sabino é sempre lembrada, especialmente nas redes sociais, para indicar que uma situação difícil ainda tem saída. Mas quando pensamos em romance na literatura, fica mais difícil acreditar em final feliz.

Será que o amor é, de fato, como escreveu Ambrose Bierce há mais de um século em Dicionário do Diabo,

Insanidade temporária curada pelo casamento ou pela remoção do paciente das influências sob as quais ele contraiu a doença?

Para além do humor irônico de Bierce, sabemos que a literatura é recheada de romances que não acabaram bem. Os clássicos, como Romeu e Julieta, Anna Kariênina, Emma Bovary e Dom Casmurro, todos contam histórias de paixões que, no enfrentamento de disputas familiares, de convenções sociais, do desgaste do tempo e de olhares suspeitos sobre o casamento, acabaram se desfazendo.

Em Dias de Abandono, de Elena Ferrante, a dor do amor perdido soma-se à dor da traição e a personagem principal tenta não se tornar mais uma mulher despedaçada pela fúria.

Aceite que ele mudou os pensamentos, trocou de quarto, e foi correndo se fechar em outra carne. Não faça como a pobre coitada, não se desfaça em lágrimas. Evite se parecer com as mulheres despedaçadas de um famoso livro de sua adolescência.

Nem sempre o amor termina por causa das traições, mas essa costuma ser a força motriz de histórias em que as paixões cedem espaço para a raiva e o desprezo. Em A Caixa-Preta, romance epistolar do israelense Amós Oz, presenciamos as lembranças de uma paixão conturbada e por vezes estarrecedora, que terminou sem que realmente fosse colocado um ponto final naquela história.

Anos mais tarde, Ilana, casada novamente, entra em contato com seu ex-marido, Alec, na tentativa de contornar problemas com o filho dos dois, Boaz. O contato renovado, ainda que somente por cartas, desperta lembranças doloridas de um amor que foi consumido pelo ódio, mas que não se apagou completamente nem com a distância, nem com o tempo.

Quando Boaz completou dois anos, os fornos do nosso inferno já eram aquecidos por um fogo negro. Nossa amor se encheu de ódio. Que devorava tudo, mas continuava disfarçado de amor.

Por vezes, o fim das histórias de amor não é propriamente triste. Enquanto o sentimento durou, houve felicidade, e isso por si só basta para dizer que ali está uma história feliz. Em Bonsai, de Alejandro Zambra, Emilia e Julio se encontram ainda quase na adolescência e começam um romance meio sem querer. Dessa espontaneidade nasce uma relação descrita de forma poética, com a economia de palavras que acaba por formar um conjunto inteiro de muito peso, como é do feitio do chileno:

Quando Julio se apaixonou por Emilia toda a diversão e todo o sofrimento prévios à diversão e ao sofrimento que lhe proporcionava Emilia passaram a ser simples imitações da diversão e do sofrimento verdadeiros.

Se apaixonar, de fato, é fazer com que tudo o mais pareça meio desbotado, desimportante, e Zambra soube transmitir esse sentimento como ninguém neste pequeno livro de tão profundos sentimentos, um dos meus preferidos.

Nesta data em que celebramos o amor, não queremos deixar os corações apaixonados desesperançados. Vez ou outra, nos deparamos com paixões que podem superar grandes provações, seja ela a passagem do tempo ou a morte. Quem não se emocionou com o barbeiro António Jorge, que logo nas primeiras páginas de A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe, perde a esposa, Laura?

abracei o corpo da minha mulher, segurei-lhe a mão, a sua cabeça no meu ombro. criei um pequeno embalo, como para adormecê-la, ou como se faz a quem chora e queremos confortar. vai ficar tudo bem, vai correr tudo bem. o que era impossível, e o impossível não melhora, não se corrige. estávamos encostados à parede, sob o cortinado, como fazíamos na juventude para os beijos e para a partilhas tolas de enamorados.

Nas palavras de VHM, o luto toma a forma de uma dor arrebatadora, que será ainda maior com a sensação de isolamento e esquecimento quando ele é internado em um asilo para velhos, o Lar da Feliz Idade. A descoberta de que uma outra vida é possível e as agruras da memória e da velhice não o farão se esquecer de Laura, e por isso ele espera a morte com certa avidez, para que eles enfim possam se reencontrar.

Existe amor mais bonito do que o que ultrapassa os limites da vida?

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

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