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[Resenha] O Fim do Homem Soviético

Fico andando em círculos ao redor da dor. Não consigo me afastar. Na dor, existe tudo: tanto sombras como solenidade; às vezes, creio que a dor é uma ponte entre as pessoas, um elo oculto; mas outras vezes penso desesperada que aquilo é um abismo.

Difícil imaginar como Svetlana Aleksiévitch sobrevive ao convívio com tantos e tão diversos sofrimentos. Mais impressionante ainda é sua maestria em transformar essa dor em literatura.

Sua escrita é pungente, mas hipnotizante. Por mais incômodos que sejam seus relatos, uma vez que começamos a lê-los, é impossível não ir até o fim. Aleksiévitch nos arranca de nossa zona de conforto e mostra que a consciência da realidade é um caminho sem volta.

Sua matéria-prima são as emoções do homem comum. A História já se ocupou dos fatos. Aleksiévitch dá voz aos sentimentos e à infinita quantidade de verdades humanas.

O Fim do Homem Soviético reúne entrevistas que a escritora e jornalista realizou entre 1991 e 2012 com pessoas que viveram a queda do império soviético. De um momento a outro, uma estrutura gigantesca ruiu. A chave virou de um socialismo sangrento para um capitalismo selvagem. O território unificado se dividiu. Na teoria, o homem soviético entrou em extinção. Na prática, várias Rússias foram confinadas dentro de uma mesma Rússia, dando origem a uma nação contraditória e cheia de conflitos, em que a intolerância e o ódio estão prontos para explodir a qualquer momento.

O choque entre gerações é gritante. Avós viam em Stálin um deus. Filhos que só queriam poder vestir jeans e comprar eletrônicos se rebelaram e, em vez de liberdade, ganharam um capitalismo atroz e uma democracia frágil (para não dizer falsa). Netos substituíram o culto à pátria pelo culto ao dinheiro. O que eles têm em comum? O sofrimento ronda a todos.

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[Divã] Um continente, diferentes perspectivas

Sempre falamos por aqui que a literatura é uma porta aberta para o mundo. Os livros estão sempre nos fazendo enxergar novos ângulos, fronteiras e personagens. Isso acontece porque também a literatura está em constante mutação, abrindo espaço para vozes que antes não reverberavam mundo afora.

Essa transformação parece ter acontecido, de certa forma, com a literatura africana que ganhou as prateleiras brasileiras nos últimos tempos. Essa é, claro, uma opinião que parte de uma experiência pessoal. Mas se até pouco tempo a produção ficcional sobre o continente era predominantemente masculina e escrita do ponto de vista do colonizador, começamos a ver autoras que falam sobre o conflito entre herança colonial e o conhecimento tradicional de forma aberta, passando por questões como racismo e o lugar da mulher na sociedade de um modo que não víamos até então.

Isso não quer dizer, obviamente, que devemos desmerecer a ficção de nomes como Le Clézio e J. M. Coetzee. Embora tenha nascido em Nice, Le Clézio cresceu em uma família fraturada pela guerra e viveu por alguns anos na Nigéria, quando era bastante jovem. Sobre esse período, escreveu um lindo relato sobre a busca por sua origem, por um pai desaparecido que poderia estar em todos os lugares, por uma identidade que já não encontrava.

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“Porém os acontecimentos mais estranhos de todos têm lugar na avenida Niévski. Ah, não acredite nessa avenida Niévski! Eu sempre me envolvo mais ainda em minha capa quando passo por ela e tento, de todo modo, não olhar para os objetos que encontro. Tudo é ilusão, tudo é sonho, nada é o que parece!”

 

Nikolai Gógol em Avenida Niévski

[Laços] Semana #4

O que vem depois do choque diante do caos material? Mais caos, agora sentimental? No trecho de Laços lido na última semana, Domenico Starnone comprova todo potencial de sua prosa ao costurar um retorno sofisticado, em termos narrativos, ao passado conturbado que abriu o romance. As cartas de Vanda estão de volta, décadas depois, e prometem reflexões valiosas. Para a próxima semana, vamos até a página 101.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Os objetos começam a ganhar vida em Laços. Depois do susto inicial pelo apartamento revirado, Aldo e Vanda têm que lidar com todas aquelas memórias ali expostas em formato de cacos e objetos espalhados. Aos poucos, o caos material vai se transformando em um caos sentimental.

Aldo logo percebe os perigos de deixar aquela bagunça à mostra. Ele teme que algum item perdido ou danificado seja um gatilho para alguma memória dolorosa de Vanda. Aldo não imaginava que ele seria a primeira vítima.

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[Resenha] Meio Sol Amarelo

Em sua famosa palestra para o TedTalks, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie falou do perigo da história única, da visão comum e unificada da história africana, um legado do colonialismo. Em Meio Sol Amarelo, livro de 2008 reeditado recentemente pela Companhia das Letras, a autora busca justamente dar voz e cores para a Guerra da Biafra, vista quase sempre por uma única lupa: como mais uma das tantas guerras civis que assolaram o continente.

O centro da narrativa é a casa de Odenigbo e Olanna em Nsukka, cidade universitária nigeriana. Odenigbo é um professor bem relacionado no campus, seguro de si, com voz ativa sobre a independência nigeriana, sobre costumes e heranças do colonialismo. Já Olanna é descendente da classe alta do país, filha de um influente empresário, mas que não se reconhece em seu meio familiar. O personagem mais empático, contudo, é Ugwu, que chega ainda muito novo para trabalhar na casa de Odenigbo, saído de um pequeno vilarejo no qual cada pedaço de peixe era disputado pela família. Seu assombro sobre os costumes descritos por sua tia nos cativa logo na primeira página:

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