Que tipo de renúncias os casais fazem quando decidem ter filhos? Elas são mais cruéis para as mães por fatores naturais ou por convenções da sociedade? É possível mudar essa realidade ou a culpa sempre será um sentimento para as mães que optam por conciliar carreira e maternidade? Esses dilemas aparecem com cada vez mais força em Canção de Ninar, de Leïla Slimani. Está nos acompanhando nesta leitura? Então conte para a gente sua opinião sobre esses temas. Para a próxima semana, avançamos até a página 142.

Mariane Domingos e Tainara Machado

– Vamos viajar e levaremos as crianças com a gente. Você vai ser uma grande advogada, eu produzirei artistas de sucesso e nada mudará.

Eles fizeram de conta, eles lutaram.

A frase de Paul, que logo é contestada pelo narrador de Canção de Ninar, mostra que Leïla Slimani não guarda meias palavras quando é preciso expor os dilemas inerentes à decisão de ter filhos. Quando Myriam engravida de Mila, o casal ainda guarda a fantasia de que nada em sua rotina conjugal irá mudar, uma realidade que logo se mostra bem mais dura.

Quando os filhos nascem e as obrigações se amontoam, Paul, que era um entusiasta das pequenas alegrias cotidianas, passa a conter seu entusiasmo e a evitar a própria casa, se perdendo por bares e outras distrações. Myriam, com dois bebês para cuidar, se sente melancólica e desesperada, presa à rotina e sonhando com outra vida, dedicada à sua carreira.

Quando Louise chega, ela significa a liberdade dessas prisões construídas. Satisfeitos, os dois veem sua vida profissional deslanchar, enquanto a vida familiar fica totalmente ofuscada. Os dois se devotam a eventos do trabalho e mal se veem. A falta de tempo, em vez de um problema, passa a ser algo comemorado.

Adoram repetir isso, como se esse esgotamento fosse precursor do sucesso.

O culto ao excesso de trabalho é, sem dúvidas, um dos traços mais perversos dos tempos atuais, evidenciado nas entrelinhas com grande habilidade para Slimane. Entre jantares, viagens e outras obrigações, o trabalho ocupa uma parte cada vez maior da vida dos personagens. Eles não reclamam e até se rejubilam desse esforço, um sinal de que enfim estão obtendo o reconhecimento almejado. O que está errado, é óbvio, são as métricas pelas quais avaliamos o sucesso atualmente.

Esse conflito interno fica evidente em uma cena curiosa. Quando o casal faz uma visita à família de Paul, que vive no campo, ele decide guardar o relógio Rolex que comprara recentemente, para que não seja visto por sua mãe, que o reprimiria pela dedicação aos bens materiais.

Nessa viagem, no entanto, quem sofre as maiores críticas é Myriam. Sua sogra esperava uma mulher “mais dócil e esportista” para o filho, e inúmeras são as ndiretas dirigidas à educação dada para as crianças, especialmente pela mulher.

Esses episódios evidenciam sempre o quando a carga em relação às crianças acaba dirigida para Myriam, mesmo que Paul seja um pai relativamente presente. Por que a sociedade sobrecarregada sempre a mãe com essa responsabilidade, eximindo os pais de sua devida parcela neste esforço?

É a ela que são dirigidos os comentários críticos, os olhares enviesados e até mesmo a necessária cumplicidade com a babá, enquanto Paul nutre uma antipatia crescente por Louise.  

As frestas no cenário perfeito que o casal imaginava estar construindo com o auxílio de Louise ficam mais evidentes. Dois episódios ainda marcaram esta passagem: uma mordida suspeita em Adam, atribuída à Mila, que negou veementemente ter machucado o irmão, e o desejo de Louise de viver uma nova vida, em uma ilha grega.

Será que ela terá coragem de expor esse desejo? Qual será a reação dos seus patrões, que se julgam tão amáveis e compreensíveis, mas a veem como propriedade?

Deixem seus palpites nos comentários!

             

Canção de Ninar

Editora Planeta

R$ 31,60

192 páginas

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