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[Resenha] O Peso do Pássaro Morto

Primeiro livro da escritora paulistana Aline Bei, O Peso do Pássaro Morto (Editora Nós, 168 páginas) cativa pela originalidade de sua estrutura narrativa bem ancorada em uma prosa poética surpreendentemente madura para um romance de estreia.

A trama parece simples à primeira vista: uma narradora em primeira pessoa relata perdas marcantes de sua vida dos oito aos 52 anos. No entanto, a forma como Bei decide organizar e desenvolver essa narrativa é o que a destaca em meio a outras obras do mesmo gênero.

São nove capítulos, todos intitulados com a idade da personagem no momento do relato – oito, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos. Em cada trecho, a linguagem reflete a maturidade da narradora. No primeiro capítulo, por exemplo, fica a clara imagem de uma criança contando uma história.

O fio condutor dessa narrativa é a perda, não só de companhias queridas, mas também da inocência, da fé e da esperança:

claro. – respondi.

entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas.

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[Entrevista] Scholastique Mukasonga

“Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento para escrita, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.”

Todos nós que acompanhamos a leitura de Nossa Senhora do Nilo não hesitamos em dar esse título a Scholastique Mukasonga. A desenvoltura para narrar uma grande história a partir de curtos episódios e personagens emblemáticos é marcante em sua obra.

Por essas qualidades, sua obra tem recebido grande reconhecimento. O primeiro título de Scholastique Mukasonga, Inyenzi ou les Cafards, obteve o reconhecimento da crítica e alcançou grande público na França. O segundo, A Mulher de Pés Descalços, levou o prêmio Seligmann 2008 “contra o racismo, a injustiça e a intolerância”. O terceiro, L’Iguifou, foi coroado pelo prêmio Renaissance, e o quarto, Nossa Senhora do Nilo, pelo prêmio Renaudot 2012.

Nascida em Ruanda, a escritora vive hoje na região da Baixa Normandia, na França. Comunicamo-nos com ela por e-mail e fomos extremamente bem acolhidas. Desde o primeiro contato, a autora se mostrou saudosa do sol do Brasil e dos brasileiros. A todo momento, ressaltou o quanto se sentia grata pelo tempo que dedicamos à leitura atenta de Nossa Senhora do Nilo e se mostrou interessada em conhecer as opiniões de seus leitores.

Estamos muito felizes de encerrar nosso oitavo Clube do Livro com uma participação tão especial!

Confiram, abaixo, a entrevista na íntegra.

Achados & Lidos: O que mais nos impressionou em Nossa Senhora do Nilo foi a sua habilidade para contar histórias. A grande narrativa se forma a partir do conjunto de pequenas histórias, com muita sutileza. Em A Mulher de Pés Descalços, você comenta que sua mãe era uma grande contadora de histórias. Ouvi-la era um momento especial em família. A oralidade que marca sua literatura é uma influência e, ao mesmo tempo, uma homenagem à sua mãe? Você acredita que a arte de contar histórias é a base da literatura?

Scholastique Mukasonga: Os povos que, como os ruandeses, não conheciam a escrita, não tinham uma verdadeira literatura. Diferentes gêneros (poesias de guerra, pastorais, narrativas históricas etc.) eram praticados na corte real. Os contos populares reservavam-se, sobretudo, às mulheres. Eu fiz uma espécie de patchwork de temas no capítulo IX de A Mulher de Pés Descalços [O País dos Contos].

Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento de escritora, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.

Achados & Lidos: O que acontecia no liceu Nossa Senhora do Nilo era apenas uma amostra do que se passava em Ruanda na época. Por que você escolheu o liceu para ambientar essa narrativa, com personagens tão jovens?

Mukasonga: Se o romance não fosse autobiográfico, o liceu Nossa Senhora do Nilo jamais teria existido. Eu me servi do liceu que frequentei, Notre-Dame de Citeaux, em Kigali. O liceu é um microcosmo da Ruanda dos anos 70, onde se desenhavam as premissas do genocídio de 1994. Ele me permitiu conservar a unidade de lugar (o liceu) e a unidade de tempo (um ano escolar correspondente à longa temporada de chuvas).

Achados & Lidos: Assim como em A Mulher de Pés Descalços, em que as mulheres têm um papel central na narrativa, em Nossa Senhora do Nilo, a questão feminina também é bastante presente. O episódio da primeira menstruação, todas nós, leitoras, sentimos o peso que carregamos por sermos mulheres. Você acredita que as escritoras têm um papel importante em relatar essa situação e contribuir para mudá-la?

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[Nossa Senhora do Nilo] Semana #9

O final de Nossa Senhora do Nilo escancara o ódio que ficou implícito ao longo de todo o romance. Terminamos a leitura com um nó na garganta, apreensivos principalmente porque sabemos o final dessa história, que em nada lembra a sutileza do texto de Scholastique Mukasonga. Agradecemos a companhia de todos por aqui e esperamos seus comentários sobre a leitura! Na próxima semana, publicaremos as impressões dos nossos leitores. Para participar é só escrever para blogachadoselidos@gmail.com ou deixar sua avaliação aqui embaixo!

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

A violência rondou toda narrativa de Nossa Senhora do Nilo. Ela estava ali, à espreita, em cada episódio relatado. As atitudes e falas cotidianas das garotas do liceu já anunciavam o desfecho trágico.

É interessante como Mukasonga retorna, no fim da narrativa, aos elementos que compuseram seu início. Os preparativos para a instalação da nova imagem da santa lembram o primeiro capítulo, em que outra configuração social, com os tutsis no poder, presencia o mesmo espetáculo. A santa muda, os espectadores mudam, mas a sede pelo poder, impregnada na cena que se repete, é a mesma. É um ciclo, em que os dominantes se alteram, mas a necessidade de subjugação permanece.

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[Nossa Senhora do Nilo] Semana #7

A visita da rainha da Bélgica ao liceu foi a história central do último capítulo lido. A partir dessa anedota, Scholastique Mukasonga trabalha um tema universal e complexo – o perigo quando uma imagem se distancia demais da realidade que pretende representar. Para a próxima semana, avançamos mais um capítulo, até a página 231.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

O retrato do presidente vigiando todas as casas ruandesas. As fotos dos astros ocidentais, capas de revista da época, fixadas nas paredes do dormitório das adolescentes. Os esforços para a perfeição durante a visita real. A rainha vestida de branco, sem uma manchinha sequer. O que esses trechos do último capítulo lido têm em comum? Todos eles acabam na discussão acerca do poder da imagem para construção da autoridade e para desconstrução de uma realidade.

Para o chefe de um Estado recém formado, ter o seu retrato nas casas dos cidadãos é uma forma de legitimação, ainda que muitos deles nem desconfiem do porquê desse ato. A imagem, embora não fale, está ali, marcando território e representando o poder e a lealdade.

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