[Resenha] O Peso do Pássaro Morto

Primeiro livro da escritora paulistana Aline Bei, O Peso do Pássaro Morto (Editora Nós, 168 páginas) cativa pela originalidade de sua estrutura narrativa bem ancorada em uma prosa poética surpreendentemente madura para um romance de estreia.

A trama parece simples à primeira vista: uma narradora em primeira pessoa relata perdas marcantes de sua vida dos oito aos 52 anos. No entanto, a forma como Bei decide organizar e desenvolver essa narrativa é o que a destaca em meio a outras obras do mesmo gênero.

São nove capítulos, todos intitulados com a idade da personagem no momento do relato – oito, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos. Em cada trecho, a linguagem reflete a maturidade da narradora. No primeiro capítulo, por exemplo, fica a clara imagem de uma criança contando uma história.

O fio condutor dessa narrativa é a perda, não só de companhias queridas, mas também da inocência, da fé e da esperança:

claro. – respondi.

entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas.

Em uma redação escrita quando a narradora tinha apenas oito anos, depois de um golpe duro, ela defende que “a cura não existe”. A certa altura, seu texto diz:

quase não sinto nada além de saudade, professora.

Essa é exatamente a ideia central do romance, embora, a cada novo capítulo, a resiliência da personagem prove que, mesmo diante de todas as perdas, a vida encontra saídas até completar um ciclo. A narradora sempre ressurge como quem se recusa a ser feita apenas de dor. Da coragem ou da necessidade, ela extrai a força para fingir que tem algum controle sobre seu destino.

Ainda que haja esse fio de esperança costurando os episódios, não se trata de uma leitura leve. O tom brando do início dos capítulos, quando parece que o revés anterior foi superado, não dura muito, pois, como já foi dito, a estratégia narrativa de Bei é contar a vida da personagem a partir das suas perdas e, uma vez que o leitor nota esse formato, ele já se condiciona a esperar o golpe seguinte. Até quando a personagem irá suportar o peso da vida?

À angústia e à dureza dessa existência, Bei contrapõe uma linguagem bela e delicada, em um estilo que lembra o do português Valter Hugo Mãe. Na dúvida se o texto é uma prosa ou uma poesia, o leitor se deixa levar pelas frases curtas e sem pontuação, e pelos grandes espaços delineando formas que conversam com o conteúdo. Bei capta com maestria a oralidade, dando origem a um texto fluido, quase impossível de largar.

O Peso do Pássaro Morto é uma leitura para poucas horas. Mas não a subestime pela sua brevidade. Cada frase merece toda atenção para que não escape nenhum dos vários significados possíveis. Sem dúvida, a estreia de Bei é um reforço de peso para a literatura brasileira contemporânea.

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
Mariane Domingos

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11 Comentários

  1. Adriana Turri Joubert

    25 de fevereiro de 2019 at 22:01

    Adorei, Mariane.
    Amei muito seu mini currículo! Sempre preferi a caligrafia também.

  2. Michele da costa araujo

    28 de março de 2019 at 23:20

    Maravilhoso espetacular

  3. Caroline Costa Nunes Lima

    6 de abril de 2019 at 14:45

    Grata por dividir comigo esta resenha! Parabéns pelo trabalho! Desejo sucesso e voos longos e plenos!
    Abraços, Caroline Costa (escritora)

  4. Excelente!

  5. Vou ler a publicação indicada. (O Peso Do Pássaro Morto)
    Pelo resumo me parece bastante atrativo. Aguçou minha curiosidade.

    Ademir
    Poeta e Escritor.

  6. Resenha muito bem escrita e que estimula a leitura da obra. Parabéns!

  7. Parabéns! Filosoficamente, poderíamos dizer que o fio condutor da narrativa tem como trajetória a dor e o sofrimento existenciais do protagonista, desde a sua infância até a maturidade. Como se sentiria determinada pessoa diante de um trágico contexto existencial? Lê-lo-ei, com imenso prazer Aline, pois só assim posso confirmar a minha hipótese ou poder ser surpreendido e pensar em algo completamente diferente…

  8. Bacana! Seduz o leitor.

  9. Rafael Ortega Bueno

    24 de março de 2020 at 20:36

    Ansioso para ler. Parabéns!

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