Todos prontos para o clássico francês? Vocês escolheram por meio de votação nas redes sociais o título do nosso terceiro Clube do Livro: A Besta Humana, de Émile Zola! Para a próxima semana, faremos a leitura dos dois primeiros capítulos, da página 21 a 82, se você tem a edição da foto.

Esse romance faz parte de um extenso projeto do escritor francês, intitulado Os Rougon-Macquart: História natural e social de uma família sob o Segundo Império. A Besta Humana é o 17º livro da série, que conta com 20 títulos no total.

Na introdução desta edição da Zahar, temos um ótimo texto de Jorge Bastos sobre o contexto da obra de Zola. Bastos explica que, embora a série dos Rougon-Macquart tenha um formato parecido com A Comédia Humana, de Honoré de Balzac, as teses literárias que guiaram os autores são diferentes.

Os dois projetos dispõem de romances que podem ser lidos em ordem aleatória, sem prejuízo de compreensão, mas enquanto Balzac, que era de uma geração anterior a Zola, aposta em uma abordagem social, o escritor de A Besta Humana trabalha com um viés mais científico. O realismo, que antes havia substituído o melodrama excessivo do romantismo, agora dá lugar ao naturalismo. Bastos reproduz o trecho de um texto bastante explícito que Zola escreveu em 1869 intitulado A Diferença entre mim e Balzac:

Não pretendo descrever a sociedade contemporânea, mas apenas uma família, mostrando a relação da “raça modificada” pelos diferentes meio ambientes… e entendo por meio ambiente, entre outras coisas, a ocupação profissional e o local de residência. Minha intenção maior é a de ser puramente naturalista, puramente fisiologista. Em vez de princípios (a monarquia, o catolicismo), terei leis (a hereditariedade, o atavismo).

O romance A Besta Humana foi publicado em 1890 e é centrado na história de Jacques Lantier, maquinista do expresso que liga Paris à cidade de Le Havre. Assim como todos os heróis da série, ele faz parte da família dos Rougon-Macquart, marcada por uma hereditariedade alcóolatra que criou diferentes distúrbios psíquicos em seus descendentes. Coube a Lantier uma neurose que causa arroubos violentos (típicos de uma “besta”) e que é originada pelo choque de duas forças opostas, mas complementares – o desejo físico e a morte.

Acerca do processo de concepção dessa família problemática, Bastos traz uma curiosidade interessante sobre Zola:

…antes mesmo de compor a primeira linha, montar a ossatura não só do romance, mas a série inteira, Zola, entre 1868 e 1869, desenhou a árvore genealógica dos seus personagens (ela sofreria modificações em 1878 e em 1889, para afinal ganhar sua versão definitiva no último romance da série, Le Docteur Pascal). Nessa árvore, já semeada com toda sua ramagem, cada membro da família tinha um balão explicativo com um resumo cronológico da sua vida, suas tendências hereditárias e profissão, de forma tão inexorável que o escritor Aphonse Daudet (enciumado, na verdade, com o crescente sucesso do colega) declarou que, se fosse fruto de semelhante vegetal se enforcaria no seu galho mais alto.

Zola nasceu em 1840, em Paris, mas se mudou aos três anos de idade para Aix-en-Provence, sul da França, onde passou a infância e a adolescência. Filho único, ele foi criado pela avó e pela mãe em um ambiente de quase pobreza. Seus dois melhores amigos de infância foram Paul e Jean-Baptiste, que se tornariam ninguém menos que o famoso pintor Paul Cézanne e o eminente físico e astrônomo Jean-Baptiste Baille.

Os dois inspiraram o 14º volume dos Rougon-Macquart, L’Œvre (1886), mas a “homenagem” não foi muito bem recebida por Cézanne, que rompeu em definitivo com o escritor, ofendido por ter servido de base para o retrato de um artista fracassado e enlouquecido, o personagem Claude Lantier. Vamos admitir que não deve mesmo ser muito agradável descobrir que você foi inspiração de algum membro do problemático clã Rougon-Macquart! Rs

Agora que já conhecemos o autor e um pouco do contexto de sua obra, estamos prontos para mergulhar no universo eletrizante e sombrio de A Besta Humana! Para quem está com receio de começar um livro escrito no século XIX, deixamos aqui um incentivo do escritor Ítalo Calvino em sua obra Por que ler os clássicos:

…não se pense que os clássicos devem ser lidos porque “servem” para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.

E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo, que só agora começa a ser traduzido na Itália): “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe. ‘Para aprender esta ária antes de morrer’”.

E aí, convencidos? Boa leitura e até a próxima sexta-feira!

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