[A Besta Humana] Semana #6

Estamos na reta final de A Besta Humana! Para a próxima semana, avançamos mais dois capítulos, até a página 332 (se você tem a edição da foto).

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

O instinto assassino está de novo à solta em Le Havre.

Envolvidos direta ou indiretamente no assassinato de Grandmorin, o evento central do livro, os três personagens principais de A Besta Humana passam por uma incontestável degradação moral depois desse acontecimento.

A mais visível, embora talvez não a mais intensa, sem dúvida é a de Roubaud. O subchefe de estação é consumido pelo vazio da vida desde o assassinato do presidente Grandmorin. Embora as investigações tenham sido encerradas e ele tenha conseguido, com a esposa, se livrar da culpa, a distância criada entre ele e Séverine o leva a uma degradação moral e física impressionante, privado de sono, engordando a olhos vistos, uma sombra do que já fora. Sua dedicação ao trabalho já não é a mesma e ele passa quase todo o tempo disponível no Café de Commerce, ponto de jogatina.

E não que o remorso o atormentasse com qualquer necessidade de esquecimento, mas na confusão do seu casamento abalado, no meio da sua existência deteriorada, havia encontrado um consolo, a vertigem da felicidade egoísta, passível de se desfrutar sozinho. E tudo naufragava nessa paixão que acabava de transtorná-lo.

Cegado pelo jogo, Roubaud recorre inclusive ao dinheiro roubado de Grandmorin no dia do crime, a soma de dez mil francos que ele e Séverine juraram que nunca haveriam de tocar.

Dissera inclusive preferir morrer de fome e, no entanto, o embolsava, sem saber dizer onde tinham ido parar seus escrúpulos, que provavelmente se diluíam a cada dia, na lenta fermentação do assassinato.

O dinheiro causa o primeiro atrito mais grave entre ele e Séverine, que até então apenas se ignoravam mutuamente. Na briga, mais uma vez Roubaud indica que sabe do caso entre ela e Jacques, mas não se move. Dias mais tarde, assistimos, não sem um sobressalto, ao momento em que ele entra no apartamento e flagra Séverine no colo de Jacques, seminua. Roubaud, o marido capaz de matar por ciúmes, finge que nem vê.

Como é um empecilho à vida do casal, que não pode apenas partir e deixar a França porque o contrato de casamento deixaria Croix-de-Maufras para Roubaud, o que parece inaceitável para Séverine, a ideia é se livrar do subchefe de estação. Séverine, a jovem romântica e inocente do começo do livro, um joguete nas mãos do marido, se mostra bastante ardilosa. Convence o amante de que a única saída possível é matar Roubaud e que ela, se tivesse forças, faria o trabalho com as próprias mãos.

Jacques, por sua vez, está cada vez mais sombrio e tenta se distanciar de Séverine, atormentado pelos impulsos assassinos reacesos desde a confissão da amante. Tenta se dedicar mais à Lison, sua locomotiva, mas mesmo ela tem algo quebrado, que não funciona, à semelhança de seu relacionamento com a amante.

Ele se desanimava: para que amar, se era para matar tudo que amava? E era com essa fúria desesperada de amor, que nem o sofrimento nem o cansaço podiam desgastar, que ele procurava a amante.

Com um temperamento mais ameno do que os demais personagens, Jacques fica dividido entre a decisão de matar e fugir com a amante para os Estados Unidos ou preservar seu sentido interno de justiça e do que é certo ou errado. Uma reflexão particularmente interessante se dá quando ele reflete sobre a animalidade existente no homem. Não era normal, no reino animal, que dois lobos que se encontrassem em um bosque se livrassem um do outro a dentadas? Ou, nos tempos das cavernas, a mulher desejada não pertencia àquele que fosse capaz de conquistá-la? Jacques tenta racionalizar uma decisão que é puramente passional.

Sendo esta a lei da vida, devia ser respeitada, para além dos escrúpulos mais tardiamente inventados, para a vida em comum. Pouco a pouco aquele direito foi lhe parecendo absoluto e a resolução tomada voltou plenamente a se impor.

Na hora decisiva, porém, a sua consciência fala mais alto e ele não consegue realizar o ato, mesmo com a pressão crescente de Séverine.

O raciocínio jamais seria capaz do assassinato, era preciso o instinto predador, o salto a se lançar sobre a presa, a fome ou a paixão que dilacera. Que importância tinha que a consciência não passasse de um amontoado de ideias transmitidas por lenta hereditariedade de justiça? Não tinha o direito de matar, e por mais que se esforçasse, não conseguia se convencer do contrário.

O sonho não realizado de Séverine lhe causa enorme frustração e a leva, de novo, a cobrar uma atitude de Jacques. A maldade e a ganância podem levar a atitudes impensadas. Jacques, que sempre tentou se preservar de seu instinto assassino, agora se vê de novo prometendo a morte de um homem a sua amante. Será que o próximo capítulo será marcado por um crime? Apostamos que a besta em Séverine vai se sobressair! E vocês, estão gostando da leitura empolgante de Zola? Deixem seus comentários abaixo!

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2 Comentários

  1. (Fiquei atrasada, mas enfim cheguei até aqui).
    Agora que estamos prestes a ver que Séverine é capaz de induzir homens a cometerem assassinatos que ela mesma gostaria de executar para se livrar de seu horroroso destino nas mãos de seu protetor e de seu marido, achei apropriado abordar a violência sofrida pelas mulheres, sem que elas tivessem qualquer direito assistido pela lei.
    No começo do livro, Séverine leva uma surra de socos e pontapés de seu marido Roubaud. Na mesma hora descobrimos que o seu protetor, Grandmorin, se aproveitava de seu status social e financeiro para abusar de meninas e Séverine fora mais uma vítima em suas mãos. Há ainda a suspeita de que ela seja sua própria filha. Algumas páginas adiante, que Grandmorin causara uma vítima fatal, pois ele violentara Louisette levando-a ao óbito.
    Mais umas páginas e escutamos Sauvagnat dar uma surra em sua irmã de 32 anos e que essas surras eram constantes.
    E a poucas páginas, que Séverine só conseguiria acabar com o sofrimento que vive se fugisse e abrisse mão de uma herança que era sua, pois os casamentos eram contratos e a mulher sendo dependente do marido perdia todos os bens caso rompesse o casamento.
    As mulheres só tinham duas saídas: a submissão ou evocar a Besta Humana.

    • Muito bem observado, Lilian! Pela personagem de Séverine, notamos como é comum sobrar para a figura feminina a posição de manipuladora. Um estigma que negligencia até mesmo absurdos como a violência contra mulher.

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