O Dia do Jornalista, comemorado na última sexta-feira, 7 de abril, me fez pensar em grandes escritores que também atuam no jornalismo. Uma tentativa, talvez, de compreender por que, há dez anos, quando prestei vestibular, escolhi essa formação, rs. A lista, bem extensa, revelou uma variedade de épocas e estilos que mostram as nuances da relação entre as duas profissões.

O escritor francês Honoré de Balzac foi o primeiro que lembrei. Ele exerceu intensamente na juventude a atividade jornalística, com artigos sobre política, literatura, filosofia e mais duas outras áreas em que poucos o imaginam. Balzac foi crítico pioneiro de moda e de gastronomia na Paris dos anos 1820-30. O livro Tratado da Vida Elegante, publicado ano passado pela Penguin Companhia no Brasil, reúne esses textos.

O jornalismo era tão presente na realidade de Balzac que aparece quase como um personagem em um de seus romances mais famosos, Ilusões Perdidas. Nele, o jovem poeta Lucien abandona sua vida provinciana e vai para Paris, onde realiza o sonho de ser jornalista e é definitivamente corrompido pela vaidade social. Sua ascensão na profissão acompanha sua decadência moral:

Uma vez admitido no jornalismo e na literatura em pé de igualdade, Lucien percebeu as enormes dificuldades a serem vencidas no caso de querer se elevar: todos consentiam em tê-lo como igual, ninguém o queria como superior. Imperceptivelmente, ele renunciou, pois, à glória literária, acreditando que a fortuna política era mais fácil de ser obtida.

Outro nome que vem à tona é o do compatriota de Balzac, igualmente célebre, Marcel Proust. Em Salões de Paris, estão reunidos os textos que ele publicou em jornais e revistas em diversos períodos. A maioria das crônicas apareceu no Le Figaro, cujo diretor foi lembrado por Proust na dedicatória de No Caminho de Swann, primeiro volume de sua obra-prima Em Busca do Tempo Perdido.

Assim como no romance, em que o narrador proustiano nos faz passear pelos ambientes mais refinados da França, nesses textos jornalísticos, Proust descreve, com precisão, os salões de Paris e seus habitués. Ainda estou no início da leitura, mas o prefácio e as primeiras crônicas já destacam o perfil flatteur (bajulador) e curioso do Proust jornalista. Características que, inegavelmente, o autor levou para sua escrita ficcional – basta lembrar o deslumbramento do narrador proustiano diante da alta sociedade francesa e a riqueza de detalhes dos trechos descritivos. Há, inclusive, passagens de seus textos não-ficcionais que se repetem quase que, integralmente, em seu romance.

Ser um bom observador, assim como Proust, é premissa para prática do jornalismo. Um dos meus livros preferidos de Gabriel García Márquez, outro escritor-jornalista que não poderia faltar neste post, é Doze Contos Peregrinos. Nele, o colombiano usa suas lembranças dos tempos em que viveu na Europa para escrever 12 histórias de latino-americanos no Velho Continente, peregrinos solitários que ainda sonham com sua terra natal. No prefácio, García Márquez conta um pouco do processo de criação dessa coletânea e revela que cinco dos 12 textos nasceram como crônicas de jornal:

Foi no México, ao meu regresso de Barcelona, em 1974, que ficou claro para mim que aquele livro não deveria ser um romance, como pensei no começo, e sim uma coleção de contos curtos, baseados em fatos jornalísticos mas redimidos de sua condição mortal pelas astúcias da poesia.

Emprestar o estilo literário à narrativa jornalística, sem comprometer os fatos, foi um sonho concretizado pelo chamado New Journalism (Novo Jornalismo ou Jornalismo Literário), movimento iniciado na imprensa norte-americana na década de 60. Entre os principais nomes dessa corrente, estão dois dos meus escritores favoritos: Truman Capote e Gay Talese. São várias as discussões sobre até que ponto a linha entre ficção e realidade foi respeitada em obras como A Sangue Frio, de Capote. É incontestável, porém, o valor que esse trabalho tem tanto para o jornalismo, quanto para a literatura.

Em uma entrevista em vídeo concedida a The New Yorker, revista para a qual contribui esporadicamente, Gay Talese, que começou no jornalismo há 70 anos, contou detalhes do seu processo de escrita. Ele mostrou seu espaço de trabalho, em que mantém uma espécie de arquivo de tudo que já viu, ouviu e escreveu. Talese também revelou que não usa gravador e procura registrar tudo de forma discreta. Jamais sai de casa sem fichas de anotação, cortadas de forma a se encaixarem perfeitamente no bolso do seu paletó. Em um trecho do vídeo, ele diz:

Eu sou um escritor de não-ficção. Não estou interessado em romances ou qualquer tipo de ficção, mas estou interessado em contar histórias. (…) Eu vi coisas, entrevistei pessoas, centenas e centenas delas ao longo dos anos. Guardando tudo isso, eu não me torno apenas um colecionador de coisas. Sou um documentarista do que faço, de quem conheço, do que vejo. Essas coisas não morrem nunca. Histórias nunca morrem. Histórias nunca acabam.

A eternidade das histórias é uma crença que jornalistas e escritores compartilham. A certeza de que sempre há algo que mereça ser contado mantém vivos literatura e jornalismo.

Essa foi a premissa que levou a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch a se tornar, em 2015, a primeira jornalista premiada com o Nobel de Literatura. Seu processo de apuração assemelha-se a de um repórter, mas seu texto não lembra aqueles que lemos diariamente nos jornais. Isso porque o que interessa para ela é a polifonia – os relatos humanos, as histórias particulares que ficam esquecidas, engavetadas como se fossem episódios marginais da história:

Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Eu quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem.

Quando me perguntam o que ando lendo, a resposta provavelmente terá, além dos livros da vez, revistas como a The New Yorker e a piauí. Grandes reportagens me atraem tanto quanto um bom romance, porque trabalham com a mesma matéria-prima – histórias. Jornalismo e literatura mantêm um casamento antigo, que, em vez de sucumbir às mudanças tecnológicas e sociais, tem evoluído com elas, trazendo gratas surpresas para quem ama literatura.

Mariane Domingos

Mariane Domingos

Eu amo uma boa história. Se estiver em um livro, melhor ainda. / I love a good story. If it has been told in a book, even better.
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