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[Divã] América exótica?

Neste fim de semana, deparei-me com dois conteúdos sobre dois gênios da literatura latino-americana. O primeiro é o artigo The Alienist, sobre Machado de Assis, publicado na revista The New Yorker e escrito pelo autor e crítico literário Benjamin Moser. O segundo é o documentário Gabo: a criação de Gabriel García Márquez (disponível no Netflix), que traz amigos, conhecidos e admiradores do escritor falando sobre sua vida pessoal e profissional. Tanto o artigo quanto o filme despertaram em mim uma reflexão: o que os leitores estrangeiros buscam na literatura da América Latina?

Em seu discurso do Prêmio Nobel de Literatura, Gabo disse:

É compreensível que insistam em nos medir com a mesma vara com que se medem, sem recordar que os estragos da vida não são iguais para todos, e que a busca da identidade própria é tão árdua e sangrenta para nós como foi para eles. (…)

A América Latina não quer nem tem por que ser um peão sem rumo ou decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.

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[Resenha] Meu Livro Violeta

No último mês, o autor inglês Ian McEwan completou 70 anos. Para comemorar a data, a Companhia das Letras publicou, em edições primorosas, duas obras inéditas do autor.

Meu Livro Violeta (Companhia das Letras, 125 páginas) é uma dessas publicações. Ela reúne duas breves histórias que comprovam que o talento do britânico cabe tanto em narrativas curtas quanto longas. Para quem já conhece a escrita de McEwan, é leitura para aumentar a admiração pela versatilidade do autor. Quem ainda não teve contato com sua literatura, é uma ótima oportunidade para engatar os romances mais famosos, como Reparação e Enclausurado.

O primeiro conto, que intitula o livro, foi originalmente publicado na seção de ficção da revista The New Yorker, em 2016 (nesse post, há inclusive o áudio do autor lendo a história). A narrativa, conduzida em primeira pessoa pelo personagem Parker Sparrow, revela duas grandes marcas da escrita de McEwan: a ironia e o humor negro, tipicamente britânicos.

Logo no início, o narrador avisa que seu relato se trata de uma espécie de confissão de um crime, do qual, ao que parece, ele não se orgulha, tampouco se arrepende:

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[Divã] Jornalismo e literatura

O Dia do Jornalista, comemorado na última sexta-feira, 7 de abril, me fez pensar em grandes escritores que também atuam no jornalismo. Uma tentativa, talvez, de compreender por que, há dez anos, quando prestei vestibular, escolhi essa formação, rs. A lista, bem extensa, revelou uma variedade de épocas e estilos que mostram as nuances da relação entre as duas profissões.

O escritor francês Honoré de Balzac foi o primeiro que lembrei. Ele exerceu intensamente na juventude a atividade jornalística, com artigos sobre política, literatura, filosofia e mais duas outras áreas em que poucos o imaginam. Balzac foi crítico pioneiro de moda e de gastronomia na Paris dos anos 1820-30. O livro Tratado da Vida Elegante, publicado ano passado pela Penguin Companhia no Brasil, reúne esses textos.

O jornalismo era tão presente na realidade de Balzac que aparece quase como um personagem em um de seus romances mais famosos, Ilusões Perdidas. Nele, o jovem poeta Lucien abandona sua vida provinciana e vai para Paris, onde realiza o sonho de ser jornalista e é definitivamente corrompido pela vaidade social. Sua ascensão na profissão acompanha sua decadência moral:

Uma vez admitido no jornalismo e na literatura em pé de igualdade, Lucien percebeu as enormes dificuldades a serem vencidas no caso de querer se elevar: todos consentiam em tê-lo como igual, ninguém o queria como superior. Imperceptivelmente, ele renunciou, pois, à glória literária, acreditando que a fortuna política era mais fácil de ser obtida.

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[Resenha] De Veludo Cotelê e Jeans

Literatura e humor não são uma combinação trivial. Uma boa parte dos livros que se pretendem engraçados penaria muito para ser qualificado como literatura. E a maior parte das obras de ficção não estão aí para nos fazer gargalhar, temos que admitir.

O escritor norte-americano David Sedaris supera essas distâncias com facilidade. Sua escrita nos faz rir de verdade, mas não por causa de fórmulas feitas ou apelos baratos. Sua prosa é cômica porque ele retrata com um misto de ironia e sarcasmo a vida familiar, os hábitos da classe média americana e a constante paranoia em que vivemos como sociedade.

Sedaris tem quase uma dezena de livros publicados, a maioria já traduzidos para o português, mas meu preferido é De Veludo Cotelê e Jeans. O titulo reúne crônicas autobiográficas em que quase sempre estão presentes um ou outro membro de sua extensa família: o pai, a mãe, o irmão ou uma das quatro irmãs.

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[Resenha] É Isto Um Homem?

Os personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade ficou sufocada, ou eles mesmos a sufocaram, sob a ofensa padecida ou infligida a outros.

Esse trecho está em É isto um homem?, um daqueles livros que nos deixam pensativos, porque a última página está longe de ser o fim da história. Nele, o autor Primo Levi conta sua própria experiência como um judeu italiano em Auschwitz. Nenhuma das situações que ele relata é carregada de autopiedade ou sentimentos de ódio e vingança. Desde o título, Levi já dá o tom que pautará o livro: a perplexidade.

Perplexidade diante de até onde a humanidade pode chegar (e chegou), tanto os que infligem o sofrimento quanto os que o padecem. Em alguns momentos, parece até que falta emoção na narrativa de Levi. Mas como exigir emoção quando sua condição humana é colocada em xeque? Não é possível fazer alguém que acorda para viver compreender o que é acordar todos os dias para sobreviver.

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