No quinto conto da coletânea, Morte por Paisagem, Margaret Atwood usa alguns elementos narrativos que já vimos nos contos anteriores, mas também trabalha temáticas novas, como a ausência e o mistério. Mais uma narrativa que se destaca pela sutileza do texto e pelas metáforas bem construídas. Para a próxima semana, leremos Tios, que vai até a página 154.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Em Morte por Paisagem, notamos, mais uma vez, uma fórmula que parece cara à Atwood: uma personagem relembrando, já na fase adulta, um episódio de sua juventude. O cenário – um acampamento de férias – também remete ao primeiro conto da coletânea e comprova outra inclinação da escritora canadense: as descrições detalhadas de paisagens naturais. Essa tendência, provavelmente, tem relação com a experiência pessoal da autora, que passou boa parte de sua infância nas florestas canadenses (comentamos um pouco sobre isso neste post).

Mais do que um cenário, nessa última leitura, a natureza tem um papel importante. No começo, ela marca presença nos quadros de paisagens que Lois coleciona. Algo nas pinturas a chama, embora ela não saiba explicar bem o quê. Ao revirar suas memórias, essa conexão fica clara.

Os devaneios da Lois já adulta, recentemente enviuvada, nos leva à colônia de férias que era o destino dela e de tantas outras garotas de classe média alta durante os verões. É lá que ela conhece Lucy, uma americana que logo se torna sua amiga. Nem mesmo os longos intervalos entre as temporadas de férias abalam a relação.

Nos breves e espaçados encontros narrados por Lois, notamos o amadurecimento das meninas e como Lucy parecia se adiantar nesse quesito. Talvez o ambiente familiar complexo e um tanto desestruturado fizesse com que a garota acelerasse seu desenvolvimento, de uma maneira nada saudável.

No último encontro das duas, esses sintomas ficam evidentes. Lucy começa a falar sobre fugir e abandonar tudo, além de revelar, durante uma trilha que empreendem sozinhas, o desejo de saltar de um penhasco para um mergulho perigoso.

Desde o início do conto, a introspecção e melancolia de Lois anunciam um desfecho trágico para essa história. As previsões se confirmam na metade final da trama: Lucy some misteriosamente, num breve intervalo em que a amiga a deixa sozinha. Lois ouve um grito e, na sequência, corre em direção à amiga, mas tudo que encontra é o vazio.

Buscas foram feitas e explicações, arquitetadas, mas o fato é que, mesmo anos depois, tudo que Lois encontra é a ausência. Lucy desapareceu sem deixar um rastro, sem deixar um corpo. E até as lembranças que ficaram, especialmente as do momento do seu desaparecimento, começam a se embaralhar:

Desde então, ela repassou aquilo, em sua mente, tantas vezes que o primeiro grito verdadeiro foi obliterado, como uma marca de pegada pisoteada por outras pegadas.

As brechas da memória são um terreno fértil para que Lois cultive seus fantasmas. Ela passa uma vida buscando a explicação para aquele momento que, de tão repentino, parece um borrão irreal.

Logo depois da tragédia, a própria dona da colônia de férias, em uma tentativa desesperada de achar um culpado e impedir a falência do seu negócio, se utiliza dessa névoa que paira sobre o desaparecimento de Lucy para confundir Lois, chegando a insinuar que a garota teria causado o acidente. Por mais que essa teoria não tenha força, ela internaliza a acusação velada e começa a sentir olhares desconfiados de todos ao redor.

Os quadros que Lois adquire já na vida adulta nada mais são do que a expressão do conflito interno que ela trava, há décadas, com suas lembranças. O elemento que a atrai nas pinturas é a imagem de Lucy. Ela a vê entre os galhos, as copas, as rochas:

Cada um é um retrato de Lucy. Não se pode exatamente vê-la, mas ela está lá, por trás da ilha cor-de-rosa ou da que está atrás dessa. Na pintura do penhasco ela é escondida pelo ninho das rochas caídas na direção da base; na margem do rio ela está agachada debaixo da canoa virada. (…)

Todo mundo tem de estar em algum lugar e este é o lugar onde Lucy está. Ela está no apartamento de Lois, nos buracos que se abrem para dentro na parede, não como janelas, mas como portas. Ela está lá. Está inteiramente viva.

É como se Lucy tivesse sido absorvida pela paisagem, em uma prova da pequenez humana diante da natureza. De forma arrebatadora e inexplicável, a ausência chega e ocupa um espaço definitivo na vida de Lois. É assim, de forma sutil e com personagens e metáforas bem construídos, que Atwood coloca em evidência toda a incapacidade humana para lidar com o inexplicável e o imaterial.

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