E aí, o que acharam das confissões de Aldo neste último trecho lido? Qual a sua reação diante do outro lado da história que lemos no comecinho do romance? Na próxima semana, avançamos até a página 118.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Aldo reconta a si mesmo, mais do que ao leitor, a história do período em que se separou de Vanda. Finalmente, podemos ouvir o outro lado daquela narrativa conturbada das cartas que marcam o início do livro. Descobrimos que, enquanto Vanda vociferava suas mágoas, Aldo vivia seu sonho de liberdade.

É interessante como Domenico Starnone usa o tempo para criar dois personagens diferentes no mesmo personagem. O Aldo que abandonou Vanda não é o mesmo que agora recorda aquele período. Seu comportamento, que outrora lhe parecia legítimo e natural, se torna duvidoso nessa nova perspectiva.

O momento mais interessante dessas lembranças é quando o narrador resgata o seu relacionamento com os filhos. Ao se deparar, entre os objetos espalhados, com um documento que registrava o pedido de Vanda pela guarda dos filhos, Aldo diz:

Aquela folha constitui a memória da minha renúncia formal a eles. É a prova material de que os abandonei para crescerem sem mim, de que permiti que caíssem definitivamente fora da minha vida, numa onda que os arrastaria para longe dos meus olhos e da minha ansiedade.

Ele assume, inclusive, que, quando eram um casal, não dera o devido valor ao papel de Vanda no equilíbrio doméstico, sobretudo em relação aos filhos. A dedicação da esposa à família permitia que ele fosse em busca das suas aventuras pessoais e profissionais:

Conviver com Lidia e as duas crianças durante dias, ocupar o pequeno espaço dela, fazer bagunça, exibir a ela minhas responsabilidades, constrangê-la a compartilhá-las comigo quando eu nem mesmo percebera até pouco antes – graça aos esforços de Vanda – como elas pesavam, tudo isso me parecia inaceitável.

Outra passagem interessante é aquela em que ele relata o encontro que teve com os filhos depois de um longo período sem vê-los, durante a separação. Nesse episódio, a estranheza entre o pai e as crianças, praticamente desconhecidos, só é amenizada quando Anna traz à tona um assunto aparentemente banal: a forma de amarrar os cadarços. Segundo ela, o irmão Sandro havia aprendido sua técnica com o pai. Ela pede, então, para que Aldo mostre como costumava amarrar o sapato para que ela pudesse comprovar sua teoria. E, de fato, aquela história sobre laços acabou sendo o elo que uniu novamente aqueles três estranhos.

Jhumpa Lahiri, em seu prefácio, comenta a tradução da palavra “laços” que dá título à obra e a infinidade de significados que ela contém. Literalmente, traduzida do italiano, ela significaria “cadarços”, mas, sem dúvida, a escolha por “laços” foi mais acertada no sentido de expressar o mote principal desse romance: as relações familiares.

Quando Aldo relembra a anedota com as crianças, Starnone explora todo potencial dessa palavra, para nos mostrar que ele estava falando bem mais do que cadarços. O que Aldo começava a reconstruir naquele momento eram os laços com sua família.

Disse: mostre como você faz, e me dei conta de que ela também, embora zombasse do irmão, estava buscando com aquela história dos laços a prova de que eu não era um senhor qualquer, a quem era preciso atribuir o papel de pai, mas algo mais. Perguntei: vocês querem que eu mostre agora, aqui, como é que eu amarro meus sapatos? Sim, disse Anna. Desamarrei um sapato e depois tornei a amarrar.

Mas esse trabalho de recuperação dos laços com a família não foi assim tão simples quanto amarrar um sapato. De forma elegante em sua narrativa, Starnone nos mostra que essas relações são facilmente esgarçadas. Se aos poucos Aldo, na reaproximação com os filhos, volta a participar do núcleo familiar e a se distanciar da amante, até pelo fim do encantamento inicial de seu relacionamento extraconjugal, é evidente que as marcas serão indeléveis.

Vanda cada vez mais busca se mostrar uma figura interessante, moderna, em linha com o seu tempo. Essa posição, contudo, sutilmente esconde uma fragilidade, uma insegurança que mudam a dinâmica de seu relacionamento com Aldo. Se antes Vanda preferia estar sempre de acordo com Aldo, agora ela busca guardar a palavra  final sobre todos os assuntos, reprimindo quaisquer desavenças ou possíveis discordâncias com o marido, enxergando em cada desacordo a possibilidade de que aquela frágil construção familiar vire ruína.

De forma sofisticada, entremeando diferentes pontos de vista, Starnone monta o quebra-cabeças de um relacionamento duradouro, mas construído sobre bases frágeis, artificiais, capaz de ruir diante de um breve reencontro com o passado.

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