Quem ficou levemente arrepiado com a leitura da última semana? _o/ O encontro macabro de Rímski com Varienukha e uma figura para lá de tenebrosa agitou o início desse trecho. Para a próxima semana, avançamos até o final da primeira parte de O Mestre e Margarida (Editora 34), de Mikhail Bulgákov, na página 217, caso tenha a edição da foto.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Se tem uma característica que já salta aos olhos na escrita de Bulgákov é sua capacidade de alternar trechos de muita ação e adrenalina com sequências puramente reflexivas ou descritivas. Esse balanço garante o ritmo da narrativa.

Após o espetáculo de magia negra do Teatro de Variedades, temos um thriller digno das telinhas de cinema. O diretor financeiro, Rímski, retorna ao seu escritório atordoado pelos acontecimentos da noite, enquanto nas ruas o burburinho em torno do show continua. Rímski não está muito confortável com os acontecimentos e pressente que algo ruim o espera:

Chegara a hora de agir, era preciso beber da amarga taça da responsabilidade.

Quando ele pensa em ligar e informar as autoridades sobre o ocorrido no teatro, uma voz o detém da ideia. Rímski começa, então, a achar o ambiente demasiadamente macabro. Quando decide deixar o prédio, dá de cara com o administrador Varienukha, que, após os telegramas misteriosos de Ialta, havia partido em busca de notícias de Stiopa.

Ele conta que o paradeiro do colega era mesmo um bar de nome Ialta em Moscou e que não havia nada de sobrenatural naquela história toda. Não passava de uma irresponsabilidade de Stiopa, que havia bebido demais.

Rímski, no entanto, reluta em acreditar no amigo. Primeiro, por seus trejeitos e aspecto anormais. Segundo, porque depois de um dia repleto de momentos surreais, ele já não duvidava mais que Stiopa tivesse realmente sido teletransportado para Ialta.

Quando ele decide confrontar Varienukha, têm início uma sequência assombrosa, em que uma mulher com aparência de zumbi aparece na janela e tenta atacá-lo. O final dessa perseguição é Rímski na estação de trem subindo, apavorado, no expresso de Leningrado. O diabo e sua trupe conseguem “sumir” com mais um personagem.

Depois dessas cenas agitadas, voltamos para clínica psiquiátrica que acaba de receber mais um paciente: Nikanor Ivánovitch, presidente da associação de moradores do edifício 302-bis. Ele insiste em dizer que é inocente da acusação de doleiro e que foi vítima de uma armação sobrenatural – mais um a ser tratado como louco.

Ivánovitch é sedado e embarca em um sono profundo. Bulgákov aproveita, então, para explorar um recurso bastante presente em O Mestre e Margarida: a narrativa onírica. O sonho do personagem o leva a uma espécie de julgamento que remete ao imaginário do Juízo Final, com boas doses de elementos teatrais, que sabemos ser a especialidade do dramaturgo russo.

Nikanor Ivánovitch começou sonhando que umas pessoas de trompete dourado na mão conduziam-no, mais solenemente, a grandes portões laqueados. Nesses portões, os acompanhantes tocaram como que uma fanfarra para Nikanor Ivánovitch, e depois uma retumbante voz de baixo, vinda dos céus, disse, com alegria (…)

É interessante como Bulgákov cria ambientações que cativam a imaginação dos leitores, mesmo com a constante mudança de cenário proposta no livro. No caso deste sonho, Ivánovitch se vê em um teatro repleto de homens barbados, após dias relutando em entregar a “moeda estrangeira”, em uma sátira dos julgamentos stalinistas, no qual todos são, em algum momento, forçados a admitir sua culpa e ainda dedurar parentes.

 

Ao fim do capítulo, somos levados a uma outra viagem, desta vez não apenas no espaço, mas também no tempo: para o monte Calvário, onde acontecerá a crucificação de Ieshua, grafia original de Jesus adotada pelo autor. Mais uma vez, fica patente a diferença de tom adotada pelo autor quando fala da “realidade” de Moscou e do relato ficcional, escrito pelo Mestre, sobre Jesus.

Se no primeiro caso os relatos têm um tom surreal, com desaparecimentos inauditos, episódios de magia negra e outras experiências diabólicas, o relato da morte de Ieshua é sóbrio, quase rígido em seus detalhes, seja na descrição dos sentinelas postados no sopé do monte, seja dos últimos momentos dos três condenados.

Ieshua era mais feliz que os outros dois. Já na primeira hora começara a ter desmaios, depois caiu em torpor, com a cabeça a pender no turbante desenrolado. Assim, moscas e mutucas cobriram-no de todo, fazendo seu rosto sumir sob uma máscara negra movediça. Mutucas gordas instalaram-se na virilha, na barriga e nas axilas, sugando o corpo amarelo e nu.

O relato se encerra com um momento chave dessa tão conhecida  narrativa: o desaparecimento do corpo de Jesus, antes estendido ao lado dos dois outros condenados. Em que ponto todos os sumiços que permeiam essa narrativa irão se desencontrar?

É essa a pergunta que nos fazemos, prestes a encerrar a primeira parte do livro!

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