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[Vozes de Tchernóbil] Semana #5

Para a próxima semana, vamos até a página 293, logo antes de começar o “Monólogo sobre o fato de que se deve somar algo à vida cotidiana para compreendê-la”.

Por Tainara Machado e Mariane Domingos

O que é preciso para caracterizar uma catástrofe? No caso de Tchernóbil, a explosão e o incêndio da central nuclear já seriam suficientes para que essa palavra pudesse ser usada. Mas estes não são o único componente do desastre.

A resposta das autoridades soviéticas, como já discutimos no post anterior, aumentou a magnitude do sofrimento da população local, com o uso de “robôs humanos” para apagar as chamas do reator, algo que nem as máquinas conseguiam fazer, porque acabavam “enlouquecidas” pela força da radiação.

Além dessas atrocidades que ficaram ainda mais evidentes no trecho desta semana, desponta ainda, nos relatos, um terceiro elemento que tornou Tchernóbil um desastre tão grande: o  temperamento do povo eslavo. Submissos, patrióticos, preparados para o desastre iminente e para a guerra, os bielorrusos estavam dispostos a acreditar nas autoridades e a abraçar a narrativa oficial de que o acidente demandava atos de heroísmo. Em um dos depoimentos, o entrevistado compara o desastre em Tchernóbil com outro acidente bastante conhecido, exemplificando bem o cenário:

Eu assisti várias vezes ao filme sobre o naufrágio do Titanic. O filme me lembra de coisas que vi com meus próprios olhos. O que se passou nos primeiros dias de Tchernóbil… O comportamento das pessoas era muito semelhante. A mesma psicologia. Eu comparava com o filme. O casco no navio já estava perfurado, a água inundava os andares inferiores, tonéis, caixões… A água avançava, ia ocupando todos os espaços, mas lá em cima as luzes continuavam acesas, tocavam música, serviam champanhe, prosseguiam as disputas familiares, iniciavam-se novas histórias de amor. E a água avança… Alcança as escadas, penetra nos camarotes.

Tal qual os tripulantes e passageiros do Titanic, que acreditavam cegamente na grandiosa e invencível construção do homem, os soviéticos, mesmo diante de Tchernóbil, também tinham uma crença inabalável:

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[Vozes de Tchernóbil] Semana #4

Para a próxima semana, vamos até o final da segunda parte, na página 237.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Lembranças, memórias e a necessidade de seguir em frente mesmo sem saber exatamente como lidar com o passado. Nessa segunda parte, intitulada A Coroa da Criação, Aleksiévitch nos mostra que mais difícil que assimilar o alcance geográfico da radiação é compreender seu alcance no tempo.

A catástrofe de Tchernóbil não viajou apenas de um espaço a outro. Ela viaja por gerações, seja por meio dos traumas que marcam famílias inteiras, seja pelo sofrimento físico manifestado em doenças nunca vistas. A impossibilidade de entender essa espécie de eternidade do desastre está entre as reflexões de um dos entrevistados dessa segunda parte:

Recordo uma conversa com um cientista. “Isso é para mil anos”, ele me explicava, “o urânio se desintegra em 238 semidesintegrações. Se traduzirmos em tempo, significa um bilhão de anos; e no caso do tório, trata-se de 14 bilhões de anos.” Cinquenta. Cem. Duzentos anos. E depois? Depois é puro estupor. Mais que isso, a minha mente não dá conta de imaginar. Deixa de compreender o que é o tempo. Onde estou?

Um dos relatos mais impressionantes dessa parte do livro é o de Larissa Z., uma mulher que se tornou mãe depois do desastre. Ela vivia em um povoado que deveria ter sido evacuado, mas não foi, porque “o Estado não tinha dinheiro”. A bebê do jovem casal nasceu como um “saquinho vivo, costurado por todos os lados, não tinha nem uma fenda sequer, só os olhos abertos”, descreve a mãe. Todos os orifícios tiveram que ser construídos por uma série de cirurgias. Ainda assim, a menina não conseguia fazer xixi, precisava ser forçada pela mãe. Acostumada aos hospitais, sem saber o que é levar uma vida normal – uma vida antes de Tchernóbil – a garota já havia superado todas as expectativas e chegado aos quatro anos de idade. Quatro anos que em nada se assemelham à ideia que temos de infância:

…brinca de forma diferente, não brinca de lojinha, de escolinha, brinca de hospital com as bonecas, dá injeções, põe o termômetro, prescreve gotinhas; se a boneca morre, ela cobre com um lenço branco.

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[Vozes de Tchernóbil] Semana #3

Para a próxima semana, vamos até a página 181, logo antes de começar o “Monólogo sobre a filosofia cartesiana e sobre como você come um sanduíche contaminado com outra pessoa para não passar vergonha”.

Por Tainara Machado e Mariane Domingos

Depois dos capítulos de ambientação, Aleksiévitch relata na primeira parte de Vozes de Tchernóbil a situação de “terra arrasada” que passou a caracterizar aquelas aldeias e vilarejos perto de Prípiat e do reator. É a Terra dos Mortos, define a autora.

Quem se recusou a evacuar a região, ou aqueles mais insistentes que retornaram para suas casas depois de alguns anos, vivem, de certa forma, como fantasmas na “zona proibida”. As aldeias estão vazias, a maioria das casas foi abandonada e saqueada. Não sobraram vizinhos, poucos animais sobreviveram e quem tomou a decisão de ficar vive uma dieta de subsistência, a partir da colheita do que ainda é possível plantar na região. Sentem-se solitários, mas preferem esse destino a abandonar sua terra:

Vou ao cemitério. (…) Eu me sento perto de todos eles. Suspiro. E até posso falar com eles, tanto com os vivos quanto com os mortos. Para mim não há diferença. Ouço tanto uns quanto os outros. Quando você está só… E quando está triste. Muito triste…

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[Vozes de Tchernóbil] Semana #2

Depois de um início emocionante, no qual gastamos uns tantos lencinhos de papel, foi bastante difícil parar a leitura de Vozes de Tchernóbil. Mas somos obedientes e só agora vamos avançar a primeira parte, até a página 121. 

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

As 50 primeiras páginas de Vozes de Tchernóbil são arrebatadoras.

O capítulo de abertura, “Nota histórica”, traz uma coletânea de publicações bielorrussas na internet entre 2002 e 2005. Para os leitores que não estão tão familiarizados com a catástrofe, a introdução é bem-vinda. Números, datas, nomes, localidades começam a desenhar o cenário que encontraremos na sequência. Tudo assusta – quantidade de mortos, alcance da radiação, incidência atual de doenças oncológicas na região.

Um desses excertos fala do sarcófago construído às pressas para conter o quarto reator, que “continua guardando nas suas entranhas de chumbo e concreto armado cerca de duzentas toneladas de material nuclear”. Esse trecho resume bem o sentimento que temos ao terminar a leitura desse primeiro capítulo. É a sensação de pavor. Pavor diante do mal à espreita:

O sarcófago é um defunto que respira. Respira morte. Quanto tempo ainda se sustentará? A isso ninguém responde.

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[Vozes de Tchernóbil] Semana #1

Foi dada a largada! Começamos o segundo Clube do Livro do Achados & Lidos. O título da vez é Vozes de Tchernóbil, da escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015. Para a próxima semana, vamos ler até a página 51.

Saímos da Nigéria de Chimamanda Ngozi Adichie para Ucrânia de Svetlana Aleksiévitch. De uma tragédia familiar para uma tragédia social. O cenário é o desastre nuclear de Tchernóbil, em 26 de abril de 1986, que levou centenas à morte nos dias seguintes ao acidente, por causa do contato com a radiação. Nos anos posteriores, outros milhares também sofreriam de problemas decorrentes da exposição às partículas radioativas irradiadas da usina.

Como lembra a Companhia das Letras, selo responsável pela edição brasileira, tão grave quanto o acontecimento foi a postura dos governantes e gestores soviéticos, que nem desconfiavam estar às vésperas da queda do regime, ocorrida poucos anos depois. Esquivavam-se da verdade e expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os serviços de reparo na usina.

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