Chegamos ao fim de Dicas da Imensidão e o último conto nos surpreendeu por trazer uma temática diferente dos demais. O estilo narrativo e o poder da linguagem, porém, se mantêm.

O próximo título do Clube do Livro do Achados & Lidos será Nossa Senhora do Nilo, da escritora ruandesa Scholastique Mukasonga. Já resenhamos outro livro dela aqui e contamos como foi sua participação na Flip. Fiquem atentos em nossas redes sociais, porque teremos o sorteio de um livro autografado por ela!

Mariane Domingos e Tainara Machado

Quarta-feira Inútil, como o próprio título prevê, acompanha um dia banal na vida de uma mulher. Não há grandes segredos, revelações ou memórias traumáticas como nas outras narrativas da coletânea, mas nem por isso o conto é menos impactante.

Marcia é uma personagem de meia-idade, que vive com seu terceiro marido e recebe visitas esporádicas dos filhos adultos, já universitários. Ela passa os dias em uma rotina confortável, mas nada excitante, entre sua casa e um emprego como colunista em um jornal decadente. Seu trabalho está na corda bamba, desde que um novo diretor de redação assumiu. Na descrição da atividade de Marcia, encontramos, de certa forma, o objeto deste conto:  

Ela entrevista pessoas, escreve do particular para o geral; ela acredita, no que considera ser uma visão romântica e antiquada, que a vida é algo que acontece com os indivíduos, a despeito da ênfase atual em estatísticas e tendências.

No microcosmo, aparentemente banal, de Marcia, a escritora Margaret Atwood encontra o caminho para abordar temas universais. A luta da personagem com o envelhecimento é um deles. Marcia vê as transformações em seu corpo e, embora isso a incomode, ela prefere não problematizar. Escolhe seguir escondendo o que não vai bem, nem que para isso tenha que se privar de experiências.

A relação com o marido Eric, uma figura peculiar pelas suas tendências políticas, também é emblemática. Marcia parece ter aprendido, mais por costume do que por vontade, a lidar com os rompantes do companheiro. Participação em manifestações sem apelo algum, gritos raivosos durante a leitura do jornal, imposições sobre as regras de consumo da casa (nada importado à mesa da família) são apenas algumas das atitudes de Eric que Marcia apazigua de maneira condescendente, mais por preguiça de ir contra do que realmente por afinidade ideológica.

Isso não quer dizer que a personagem não tenha suas opiniões políticas, mas, ao longo da narrativa, percebemos que elas perdem força na engrenagem esmagadora da rotina. Como neste trecho em que ela se depara, em uma cena cotidiana, com a marginalização dos nativos canadenses:

Os dois índios observam sem muita expressão. Eles parecem fartos. Estão cheios daquela cidade, estão cheios de suicídio como opção, estão cheios do século XX. Ou pelo menos é o que Marcia supõe. Ela não os culpa: o século XX não tem sido um sucesso estonteante.

Marcia não é alienada ou indiferente ao que a cerca, mas lhe falta força de vontade de se posicionar sobre o que percebe. Quando a noite cai, tudo que ela consegue pensar é:

O que acontece com este dia? Ele vai para onde outros dias foram e irão.

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