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[Divã] Memória em cinzas

Que dia triste. Não foram apenas objetos que viraram cinzas. O incêndio que, neste domingo, devastou o Museu Nacional no Rio de Janeiro, acabou com 200 anos de pesquisa, destruiu um dos maiores acervos de antropologia e história natural do Brasil e levou um pouco mais da já escassa fé que temos no futuro do nosso país. Para qualquer pessoa que acredita no poder transformador da cultura, ver o descaso com que nossa sociedade trata esse tema é desesperador.

Um povo que ignora sua própria história é um povo disposto a cometer os mesmos erros. E quando falamos de memória, não precisamos nem ir muito longe para ver como ela é diariamente espezinhada no Brasil.

Basta prestar atenção em certos discursos que se proliferam nessas épocas eleitorais e que tentam amenizar ou até negar os horrores da ditadura. Estamos falando de um passado recente. O golpe militar tem pouco mais de 50 anos e já há quem o tenha esquecido.

A educação e a cultura, juntas, são os antídotos para esse esquecimento nocivo, porque, mais que oferecer e preservar conhecimento, elas munem o cidadão de identidade e capacidade crítica.

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[Resenha] Os Fatos – A Autobiografia de um Romancista

Quando Philip Roth anunciou, em meados de 2014, que estava se aposentando e pararia de escrever, a comunidade literária ficou em choque. O escritor, há anos entre os cotados ao Prêmio Nobel de literatura, é uma das principais vozes do romance americano da segunda metade do século XX, autor de clássicos como Complô Contra a America e Humilhação.

Lançado em 1988, mas editado no Brasil apenas no ano passado, Os Fatos – A Autobiografia de um Romancista, bem poderia ter sido seu livro de despedida. Como já sugere o subtítulo do livro, o título traz a história de Roth por trás da ficção e foi escrita após um período de colapso físico e psicológico do autor. Com sua habitual ironia, Roth habita nesta obra o limite tênue entre ficção e realidade, uma estratégia narrativa interessante para um autor que muitas vezes foi criticado por ser excessivamente autobiográfico.

Esse jogo aparece logo nas primeiras páginas. O prólogo do livro trata de uma carta de Roth escrita para Zuckerman, um de seus personagens mais marcantes. Também escritor, Zuckerman sempre foi interpretado como um alterego do autor, e por isso é mais uma nota de seu brilhantismo o fato de que Roth tenha optado por iniciar sua autobiografia pedindo autorização para  publicação para um de seus personagens mais emblemáticos.

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[Dicas da Imensidão] Semana #5

Quão transformadora é a passagem do tempo em relação a coisas, pensamentos e, principalmente, sentimentos? Esse é o tema central de O Homem do Brejo, quarto conto de Dicas da Imensidão, de Margaret Atwood. Para a próxima semana, leremos Morte por Paisagem, que vai até a página 128.

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

O pano de fundo da narrativa de O Homem do Brejo é uma expedição arqueológica para investigar os restos, quase intactos, de um homem de mais de dois mil anos. Embora simbólico, não é nesse episódio da trama em que o tempo se faz protagonista da história, mas sim nas décadas, aparentemente banais, que se passam na vida de Julie.

Julie é uma jovem que obedece a todos os estereótipos de uma aluna universitária liberal – está na fase de descobertas, sem muitos compromissos e pouco empática com tudo que é mais velho e, em sua opinião, ultrapassado. Ela se envolve com seu professor casado, que é mais um clichê da classe – na crise de meia-idade, busca aventuras com as jovens alunas, enquanto a mulher e os filhos o aguardam em casa e conservam sua boa imagem na sociedade.

O começo da paixão é avassaladora, ao menos para Julie. Connor é tudo que ela jamais havia conhecido em um homem. Ela o vê como um super-homem, cuja vida além do seu papel como amante é irrelevante. A maneira como ela vê a esposa de Connor é sintomática do seu desdém pela outra vida do professor:

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[Divã] Memória e literatura

… evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesmo é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me a tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.

Esse é um trecho do prólogo de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Escolhi um representante emblemático para abrir esta reflexão que pretende adentrar os meandros de uma relação duradoura e prolífica: a da literatura com a memória.

Machado de Assis deu provas de sua genialidade ao conceber um romance narrado por um “defunto autor”. De sua própria cova, Brás Cubas relembra a história de sua vida, escrevendo-a com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”.

Embora Machado tenha alçado as narrativas que se apoiam na memória a um patamar talvez inalcançável, não são poucas as obras que se lançam nessa direção.

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[Resenha] Assim Começa o Mal

Até onde somos capazes de chegar em busca da verdade? Essa é a grande saga de Juan de Vere, narrador-personagem de Assim começa o mal, romance de Javier Marías, lançado no segundo semestre de 2015 aqui no Brasil.

Na Madri pós-ditadura franquista, o jovem De Vere se vê envolvido em uma história pautada por desejos, rumores e segredos. Juan trabalha como assistente de Eduardo Muriel, cineasta que já viveu seu auge e tem um casamento conturbado, cheio de mistérios. Por conta de suas funções, Juan fica hospedado durante longos períodos na casa dos patrões e, aos poucos, passa de testemunha a ator coadjuvante da jornada dessa família.

Além da história íntima dos Muriel e de De Vere, o livro traz a cena política da Espanha dos anos 80 – um país imerso no dilema de como enfrentar as recordações dos anos truculentos da ditadura. Silenciar e deixar pra trás? Reescrever as cenas mais tristes? Amenizar os fatos em nome da boa convivência? Julgar e nomear vilões e heróis?

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