A sétima edição do Clube do Livro do Achados & Lidos nos fez entender um pouco mais porque só se fala de Margaret Atwood. A escritora canadense tem uma habilidade ímpar para transformar a banalidade da vida em literatura profunda, nos fazendo refletir sobre questões contemporâneas, como feminismo, envelhecimento, poder da imagem e da propaganda – temas que aparecem com frequência nos contos de Dicas da Imensidão – sempre de forma surpreendente, com mensagens indiretas, nas entrelinhas. Para quem está triste com o fim da leitura, recomendamos fortemente O Conto da Aia, reeditado recentemente pela Editora Rocco.

Foi também a primeira vez que optamos por um livro de contos para o Clube, e achamos que o formato funcionou muito bem! Esperamos que vocês tenham gostado tanto quanto a gente. Abaixo, publicamos comentários de alguns de nossos leitores, como já fizemos anteriormente.

A oitava edição do Clube do Livro é uma escolha muito especial. Scholastique Mukasonga foi, sem dúvida, a autora que mais nos encantou em nossa viagem à Paraty, para acompanhar a Flip de 2017. Escrever, para ela, foi a única escolha possível diante dos acontecimentos trágicos de sua vida. O título escolhido é Nossa Senhora do Nilo, lançado pela Editora Nós. No nosso perfil no Instagram (@achadoselidos), estamos sorteando um exemplar autografado pela autora. Quer incentivo maior para participar do Clube? Junte-se a nós em mais essa leitura!

Aletheia Machado

Era a data nacional do Canadá, 1º de julho. Tocava uma música indigesta, martelando a existência do mundo lá fora. Precisava escrever, interagir com esse mundo, ao menos para extravasar minhas impressões represadas desde o fim do delicioso e surpreendente Dicas da Imensidão, da canadense Margaret Atwood. Por sugestão do Clube do Livro do blog Achados & Lidos, comecei a leitura dos dez contos da coletânea.

De antemão, fui fisgada por essa capa da edição brasileira da Rocco (na foto), em que um perfil de mulher é em si um universo misterioso e recôndito, um oceano imenso, vasto, a ser desbravado e compreendido, margeado, restringido e definido por um mundo bege, opaco, uniforme. A mulher não é etérea. Concretamente, faz parte desse mundo interior, mas encontra-se com a vista enevoada (pela realidade? Pela natureza? Pelo cotidiano?), apesar de todo o potencial que há em si. Quem nos envia as dicas dessa imensidão, pensei comigo, ao ver-me refletida nessa capa-espelho de pura poesia e lirismo.  

Prefiro os romances aos contos, mas me é muito cara a ideia de ler coletivamente um livro que desperta tantas reflexões já em sua portada. Talvez, se não fosse pela sugestão do Clube, começasse a conhecer a obra de Atwood pela leitura de O Conto da Aia, seu livro mais célebre, por meio do qual se tornou uma escritora associada ao feminismo. O Conto da Aia é uma distopia em que as mulheres são vistas e tratadas como objetos, cujo único valor é a fertilidade.

Tal temática fez com que, recentemente, o público tenha renovado seu interesse pela autora. Num momento em que muito se discute o papel da mulher na sociedade e a importância do feminismo (que feminismo?), como instrumento de militância política, Margaret Atwood é revisitada, tendo seu talento mais uma vez reconhecido mundialmente. É preciso
esclarecer que Atwood rejeita a vitimização e a idealização das mulheres, apesar de engajar-se na luta por seus direitos e, portanto, nem sempre se sente à vontade com o automatismo com que se dá sua associação a um único feminismo.

O fato de ter vivido isolada, com a família, durante sua infância, ao norte do Canadá, parece ter feito com que Atwood lapidasse uma visão de mundo insólita e observasse com um distanciamento crítico tanto o seu lugar no mundo, quanto o papel da mulher na sociedade, os códigos de conduta ditados hierarquicamente a que todas devemos seguir e as imagens  que devemos refletir. O pai de Margaret Atwood era um entomologista engajado na pesquisa científica de campo. Por conta dessas pesquisas, a família deslocava-se constantemente, a
exceção dos períodos de inverno rigoroso, para as regiões selvagens do norte do Quebec.

O isolamento físico e a convivência, desde a mais tenra idade, com rígidos métodos científicos a influenciaram como estudiosa e escritora. É descomplicado perceber tais influências nesses dez contos. A linguagem é direta e precisa, apesar de oferecer muitos detalhes e construir uma atmosfera que transfere o leitor para dentro da história. Sobrepõe passado, presente, enfocando grandes decisões e escolhas que moldam toda uma vida, sem ser prolixa e levantando a reflexões e questionamentos, por parte do leitor, de forma sutil e quase imperceptível.

Naturalmente, lembrei-me muito da leitura dos contos da Alice Munro, por serem conterrâneas, pelo formato das histórias (com a ressalva de que Atwood é mais conhecida pelos romances e pela poesia), pela centralidade atribuída às mulheres-narradoras. Atwood, no entanto, nos oferece um olhar – e, por que não, uma análise – mais político e sociológico da mulher, atribuindo-lhes papel, valor e função, na sociedade; e, nos relacionamentos, discutindo a relação, a influência, a construção de dependências com o universo masculino, ainda que a mulher seja tão forte e pareça desconhecer sua fortaleza. Ambas as escritoras canadenses partem do universo psicológico feminino; mas, embutido em Atwood, percebi um engajamento crítico quase imperceptível que convida à reflexão sobre a moral vigente, sobre as grandes escolhas e imagens socialmente impostas, sobre os comportamentos padronizados tanto de homens quanto de mulheres, em suas interações e isoladamente.

Longe de ser panfletária, a escrita de Atwood é lírica e pungente, e é preciso estar atento para assimilar o valor da obra e da crítica muito apurada e sensível que propõe. Cinco vezes finalista do Booker Prize, tendo ganhado uma vez, é uma escritora laureada e também uma investidora no ofício da escrita. Fundou o Writers´s Trust of Canada, uma organização sem fins lucrativos, que visa a incentivar a produção literária canadense. Também inventou e patenteou uma tecnologia, a LongPen, que facilita a escrita de documentos de forma remota e eletrônica.

Dicas da Imensidão é um livro sensacional, sensível, imperdível. Obrigada Achados & Lidos pela dica de leitura! Obrigada Margaret Atwood por todas as dicas da imensidão.

Para ler comentários de Aletheia Machado sobre cada conto, acesso o blog As Participativas.

 

 

Stephany Tiveron

Fui apresentada à escrita de Margaret Atwood por meio do livro The Handmaid’s Tale (O Conto de Aia), tão comentado nos últimos tempos. Lembro-me do estilo simples e da cadência da história, mesclados com cenas que eram verdadeiros socos no estômago – terminei a leitura intrigada. E que surpresa boa encontrar uma coletânea de contos da autora neste Clube do Livro! Dicas da Imensidão é ideal para ser apreciado, ou digerido, aos pingados mesmo, porque Atwood escreve com maestria sobre cotidiano, dilemas comuns e acontecimentos surreais que sempre nos levam a alguma reflexão.

Ler os textos em sequência nos faz mergulhar nesse universo, entrando por portas diferentes a cada novo capítulo. Ao fim do percurso, alguns ficaram marcados na minha memória como, por exemplo: a personagem misteriosa de Ísis na Escuridão; o inusitado fim do cisto de Bola de Cabelo; e a narrativa de Peso, que acompanha o nome do conto em diversos aspectos. Enfim, eu adorei e recomendo a quem perdeu descobrir uma ou todas as histórias da obra. Valeu Achados & Lidos por colocá-la em cena!

 

Gabriela Domingos

Dicas da imensidão é um excelente livro de contos! É brilhante a maneira como as figuras femininas são apresentadas. Os diferentes perfis, as diversas fases de maturidade, as experiências de vida, as vulnerabilidades, as lutas e as superações, as frustrações, os sofrimentos e uma imensidão de sentimentos estão presentes nas narrativas e nos incomodam. A leitura fluiu de uma maneira que fica difícil escolher apenas um conto preferido. Porém, quatro superaram todas as minhas expectativas: Lixo Verdadeiro, Bola de Cabelo, Morte por Paisagem e Tios.

 

Lilian Cantafaro

Desde o começo da leitura esperei ansiosamente pelo conto que dá título ao livro, Dicas da Imensidão. Nesta história, o narrador menciona a leitura de um livro (com o mesmo título) pelo personagem Roland, que ”ensinava você como sobreviver sozinho na floresta… como construir abrigos, fazer roupas de peles, encontrar plantas comestíveis…”. Como Dicas da Imensidão não fazia muito sentido para intitular essa história, procurei o título original em inglês, que é ”Wilderness Tips”.

Margaret Atwood escolhe um título forte, que traduzido ao pé da letra seria  ”Dicas da Natureza Selvagem”, que abre um leque de interpretações. O Canadá, onde a maioria das histórias se passa e onde o conto ”Dicas da Imensidão” é ambientado,  é um país de clima inóspito, onde só certos animais sobrevivem nas regiões mais frias . Faz todo o sentido existir um livro com dicas de sobrevivência.

Mas a autora vai além, ao mostrar histórias que se passam na década de 40 e 50 e retratar  situações que perduram até os dias de hoje. Assim, ela dá a entender que nós mulheres ainda estamos descobrindo como sobreviver no ”modus operandi” selvagem masculino imposto pela sociedade.

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