Um dos objetivos literários que tinha traçado para este ano era ler mais mulheres. Posso dizer, faltando apenas dois meses para o fim do ano (dá para acreditar?!), que 2017 foi de fato um ano recheado de autoras. Houve espaço para minhas escritoras preferidas,, claro, mas o mais interessante foi descobrir novas vozes e novos jeitos de contar o que é ser mulher no mundo.

A inspiração desse Divã veio, justamente, da entrevista concedida pela autora ruandesa Scholastique Mukasonga ao Achados & Lidos, uma das vozes femininas mais interessantes que descobri nos últimos anos. Na conversa que tivemos com a autora, perguntamos como ela enxergava o papel das escritoras em um mundo ainda tão desigual e injusto.

As escritoras, nos disse ela, devem contribuir para mudar a condição das mulheres,um tema que parece mais atual a cada novo episódio  de violência doméstica ou de abusos em série, como os cometidos pelo produtor americano Harvey Weinstein relatados pela imprensa.  Em Nossa Senhora do Nilo, Mukasonga nos mostrou um colégio só para mulheres em que a elite feminina ruandesa era educada com o único objetivo de formar boas esposas e mães. Apenas. A falta de perspectivas leva muitas delas a aderirem a caminhos tortuosos, como amantes de chefes locais, damas de companhia ou se deixando seduzir por sonhos de poder e fama.

Muitas outras autoras também tem buscado falar das limitações que por séculos foram impostas às  mulheres. Ou das constantes ameaças de retrocesso quando a causa ainda nem foi vencida. Nos Estados Unidos, a adaptação de O Conto da Aia, de Margaret Atwood, atingiu enorme sucesso ao colocar nas telas uma distopia que parece cada vez mais encontrar ecos na realidade, ao falar de um mundo no qual as mulheres são divididas em categorias, não podem mais ler nem escrever sob pena de ter a mão cortada, e no qual o amor e a paixão são crimes contra o objetivo primordial do Estado: a reprodução.

Atwood, aliás, foi uma das minhas grandes descobertas literárias do ano, e fico realmente chateada por só ter prestado atenção em sua obra tão tarde. Li O Conto da Aia por indicação de uma amiga do trabalho e devorei o livro. Em seguida, no Clube do Livro, lemos Dicas da Imensidão, volume de contos que reúne ótimas histórias sobre o universo psicológico feminino.

Se Atwood domina a narrativa para nos mostrar como é possível calar as mulheres, Rebecca Solnit, historiadora americana, escreveu um excelente livro sobre como a sociedade silencia as mulheres, e como essa é uma das mais poderosas ferramentas de opressão, antessala do abuso e da violência a que a população feminina é submetida cotidianamente. O principal ensaio de Os Homens Explicam Tudo para Mim é um texto essencial, daqueles que nos fazem refletir por um longo tempo e que queremos citar em todas as rodas de conversa.

De forma mais sutil, a indiana Jumpha Lahiri nos coloca de frente com outro estranhamento: o choque entre universos distintos. Em Intérprete de Males, Lahiri mostra em seus contos delicados e belos que é possível construir pontes sobre as diferenças, mesmo quando as arestas parecem difíceis demais de serem aparadas.

Outro livro de contos que me tocou profundamente em 2017 foi No Seu Pescoço, de Chimamanda Ngozi Adichie. A nigeriana é uma das figuras de maior destaque no panorama literário anual, admirada por sua escrita e também por suas posições e opiniões no  mundo real. Nesta obra, que reúne pequenas histórias publicadas até 2009, a autora já traz os temas que seriam mais desenvolvidos em seus romances posteriores, como a solidão da vida dos imigrantes nos Estados Unidos, a adaptação cultural forçada, o machismo que permeia toda a sociedade, sem nunca deixar de narrar os conflitos que pertencem a todos nós por natureza, como paixão, ciúmes, solidão e abandono.

Sua indicação para o clube do livro da TAG foi ainda mais empolgante, ao nos permitir conhecer a obra de Buchi Emecheta, com a publicação de As Alegrias da Maternidade. Foi o primeiro livro da nigeriana a ser lançado no Brasil e a descrição dela feita pela TAG nos lembra muito do que guia a escrita de Chimamanda, como o trabalho para corrigir “os estereótipos da mulher nigeriana e africana, expondo sua realidade diária e a opressão das normas sociais”. Aposto alto nesta leitura.

Um pecado da minha lista é que ela ainda contém poucas autoras brasileiras. Ainda assim, uma obra que me marcou muito neste ano foi Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas, de Elvira Vigna, que faleceu neste ano. Se o título te intrigou, aposte nesta leitura. A história de um homem sem caráter que reconta suas aventuras amorosas com garotas de programa para um jovem arquiteta tem uma cadência que me deixou encantada, com um modo muito próprio de falar sobre feminismo.

Tanto Elvira quanto Margaret Atwood, aliás, não gostam de serem chamadas de feministas, por rejeitarem o que consideram certa idealização e vitimização das mulheres. As duas, contudo, sempre foram bastante claras sobre a importância de se obter direitos iguais para homens e mulheres.

Se podemos ressaltar um ponto de contato entre todas essas obras, o que se sobressai não é o feminismo. É a simples busca por um ponto de vista que durante muito tempo foi relegado a segundo plano, já que a literatura, historicamente, foi narrada a partir de uma visão de mundo masculina. Que o espaço para as mulheres só faça crescer.

Ainda em dúvida do que ler? Acompanhe o movimento Leia Mulheres no Instagram e no Facebook. Por lá, além de diversas indicações interessantíssimas, também são organizados clubes de leituras em diversas cidades do país, sempre se propondo a discutir a obra de uma autora diferente. Participem. Leiam mulheres também!

Tainara Machado

Tainara Machado

Acredita que a paz interior só pode ser alcançada depois do café da manhã, é refém de livros de capa bonita e não pode ter nas mãos cardápios traduzidos. Formou-se em jornalismo na ECA-USP.
Tainara Machado

Últimos posts por Tainara Machado (exibir todos)