Estamos na reta final da leitura de Enclausurado, de Ian McEwan, e o cerco está se fechando em torno de Trudy e Claude. O trabalho investigativo da polícia segue e, embora os amantes trabalhem para limpar todos os rastros, ainda não é possível comemorar um plano perfeito. Na próxima semana, avançamos mais três capítulos até o final do livro. Estamos curiosas por esse desfecho!

Por Mariane Domingos e Tainara Machado

Quando Elodia chega à casa de Trudy, inicia-se mais um ato bem ensaiado dessa história que é uma verdadeira peça de teatro. Foi ela quem reconheceu o corpo de John no necrotério, fato que a posiciona como uma personagem importante para as investigações policiais e para o sucesso ou o fracasso do plano arquitetado pelos amantes.

Elodia, mais do que ninguém, tem que comprar a ideia de que John era uma pessoa instável e capaz de cometer suicídio. Para o azar de Claude e Trudy, ela chega à mansão convicta de que esse não era o perfil do amigo. A mãe do feto inicia, então, uma atuação emotiva sobre como o ex-marido tinha uma tendência para fazer mal a si mesmo. A declaração de Elodia à polícia acontecerá no dia seguinte. Os assassinos precisam ser rápidos e convincentes.

O aspecto mais marcante dessa cena é a avaliação que o narrador, protegido em seu casulo, faz das agendas ocultas de cada personagem. Ele já conhece bem a mãe e o tio, portanto é capaz de identificar os gestos ensaiados em cada fala. No entanto, ele sabe pouco sobre Elodia. Suas indagações acerca das verdadeiras motivações da poeta deixam no ar o suspense: será que ela está acreditando no que lhe dizem ou só empreendeu aquela visita para confirmar suas suspeitas sobre a culpabilidade da ex-mulher e seu amante?

Esse é meu problema com Elodia. O que ela está fazendo aqui? Dança como um coribante tresloucado, entrando e saindo de foco. Elogiar meu pai em excesso pode ser uma forma de consolar minha mãe. Nesse caso, mal concebida. Ou a tristeza distorce sua capacidade de julgamento. Isso é perdoável. Ou sua autoimportância está ligada à do mestre. Não está. Ou veio descobrir quem matou seu amante. Isso é interessante.

Esse trecho mostra que o feto não é apenas um observador. Ele é capaz de julgar comportamentos e dizer o que lhe agrada e o que lhe desagrada. Desde o começo do livro, o narrador já mostra essa habilidade, mas parece que, a cada capítulo, ela fica mais evidente. Não é apenas seu físico que está se desenvolvendo, mas também seu intelecto.

Tal evolução mostra que está chegando o momento em que o feto terá que abandonar seu ambiente protegido para ganhar o mundo. Nessa última leitura, o narrador deixou vários indícios de que está mais pronto que nunca para “vida após o nascimento”.

Suas digressões acerca do que lhe espera após o parto tornam essa narrativa ainda mais primorosa. A ingenuidade com que ele questiona alguns padrões que costumamos aceitar sem titubear geram, ao mesmo tempo, o riso e o desconforto no leitor. Do alto de sua inocência, ele consegue provar como o mundo está torto e afundado em seus preconceitos e crenças arraigadas. A questão de identidade, de raça, de gênero e as cruzadas em nome da fé são apenas alguns dos exemplos que ele desenvolve:

No momento da deslumbrante chegada ao mundo, ninguém exclama: É uma pessoa! Em vez disso: É uma menina, É um menino. Rosa ou azul – um avanço mínimo em comparação com a oferta feita por Henry Ford de carros de qualquer cor desde que fossem pretos. Dois sexos apenas. Fiquei desapontado.

A maneira como ele fala do mundo é um misto de curiosidade e medo. Ao mesmo tempo em que ele tem a certeza de que o cenário que o aguarda não é bom, ele vislumbra, com ansiedade, os prazeres da vida “post partum”.

O narrador, claro, não é o único ansioso com o fim desse enclausuramento. Nós, leitores, não vemos a hora de atravessar os últimos três capítulos dessa deliciosa narrativa. Sabemos, por exemplo, que o feto abdicou da vingança, então um fim parecido com Hamlet é pouco provável. Ao mesmo tempo, são muitos os pontos de convergência entre esta obra de McEwan e o clássico shakesperiano para que não haja nenhum ponto de contato entre os dois finais.

Entre o misto de amor e ódio que o feto nutre pela mãe, será que ele poderia atentar contra sua vida durante o parto? Ou, como já foi aventado tantas vezes, o plano repleto de falhas de Trudy a colocará na prisão antes mesmo do nascimento? Pode ser que o feto viva uma vida feliz, ainda que estúpida, ao lado de Claude e sua mãe? Na bolsa de apostas, tendemos a acreditar em um fim surpreendente e seguimos curiosos em relação ao momento em que Trudy e seu amante enfim tomarão consciência de que, além da culpa, precisarão nutrir e amar um descendente direto de John.

E você? Tem algum palpite sobre o fim de Enclausurado?

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